As mídias e o sequestro do bicentenário

Nos últimos dias tornou-se lugar comum, nas mídias e nas redes sociais, chamar de sequestro a operação desencadeada pelo ocupante do Palácio do Planalto et caterva para fazer da festa do bicentenário um grande comício a favor da reeleição do presidente e um verdadeiro cortejo da morte. De fato, numa ação muito bem sucedida de público e amplamente divulgado por partidários e adversários, a festa cívica e o oficial do 7 de setembro foi tomada de assalto por um anti republicanismo grotesco e violento, em que não faltaram patriotadas e claros sinais de incontinência verbal e machismo pelo mandatário da nação.

No entanto, pouco se discutiu sobre o papel das mídias e dos adversários do presidente na transformação do sequestro em espetáculo público e na atualização de um desprezo para ações de grupos e organizações que, nas últimas décadas, buscam disputar os sentidos das independência e tornar o 7 de setembro menos caricato, militaresco e autoritário.

Ainda que poucas, algumas vozes se levantaram para dizer, para a própria imprensa de “oposição” e para uma multidão de adversário do Presidente, que o “rei está nu”. Já no dia 7 de setembro, o professor Luciano Mendes, da UFMG, um dos coordenadores do Portal do Bicentenário, publicou em suas redes sociais: “impressiona como o ‘sequestro’ do 7 de setembro pela Ditadura e pelo bolsonarismo ‘sequestre’ toda a imprensa, mas as iniciativas contrárias, como o Portal do Bicentenário e outras, não logrem a mesma eloquência da mídia brasileira (nem mesmo a  democrática). Chorar mobiliza mais do que sorrir?”.

Na mesma linha, as jornalistas do Coletivo Intervozes publicou no site da Carta Capital, no dia 09 de setembro, um contundente artigo em que, sob o título de “Bolsonaro sequestra a Independência e mídia serve como palanque”, analisa a cobertura da imprensa e constata o quanto esta foi leniente com a operação palaciana. Também o podcast Foro de Teresina, da Piauí, no episódio de 09 de setembro, fez uma discussão sobre o tema e mostrou que as mídias tardaram em perceber que foram coadjuvantes no  sequestro da festa cívica republicana, inclusive por esquecer e jogar na sombra outras iniciativas importantes como o “Grito dos Excluídos”.

Apesar de existentes, essas críticas e  autocríticas são muito esparsas e apenas tocam na ponta do iceberg que é a cobertura das mídias sobre as iniciativas que não partem do centro do poder político e econômico do país, notadamente aquelas realizadas pelas elites paulistas, cariocas e brasilienses. Pior ainda é  quando se trata de iniciativas disruptivas, que propõem outras narrativas e sentidos para o Brasil do que aqueles advindos destes centros de poder. Assim como o atual ocupante do Palácio do Planalto não foi o primeiro a sequestrar o 7 de setembro para causas que lhe são próprias, não foi a primeira vez que a imprensa espetacularizou e sancionou os usos políticos das festas cívicas no Brasil.

Mas, como nas redes sociais o sequestro capturou também boa parte do “pensamento crítico” brasileiro pode-se aventar outros elementos para nos ajudar a entender o fenômeno. De alguma ou de várias formas, o que temos visto é que a convocatória de morte partida o Palácio do Planalto tem mobilizado boa parte de nossas atenções e energias, ainda que seja para lhe fazer crítica, e deixado pouco espaço às iniciativas que disputam os sentidos do 7 de setembro.  Cobrar que as mídias tivessem outra postura é imaginar que elas de fato estivessem comprometidas, como não estão, com a construção de um país de fato democrático e mais igualitário. No entanto, quando os próprios partidários da causa democrática  jogam na sombra as iniciativas que estão no contraponto do referido sequestro, estamos diante de um problema muito mais grave e sobre o qual temos que nos debruçar.


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