Sandro V. S. dos Santos
Quem são as/os profissionais que realizam a gestão pedagógica do trabalho desenvolvido no âmbito das instituições de Educação Infantil? Quais são os saberes e os fazeres constituintes da prática dessa/e profissional que se responsabiliza pela articulação do trabalho educativo de creches e pré-escolas de nosso país? Enfim, quem são as/os coordenadoras/es pedagógicos da e na Educação Infantil? Tais perguntas ainda são pouco problematizadas por pesquisadores/as área da Educação Infantil.
A profissão de coordenador pedagógico da e na Educação Infantil é um oficio relativamente novo no campo da educação. Desse modo, fica difícil precisar uma definição de suas atribuições, uma vez que, tal tarefa – ou função como se vê em algumas redes públicas de ensino – tem evoluído de modos distintos em contextos sociais, culturais e históricos diversos.
No caso específico da Educação Infantil, a indissociabilidade entre o cuidar e o educar fornece-nos elementos para pensarmos as especificidades da tarefa de coordenação de uma instituição de cuidados e educação. Uma instituição que cuida e educa crianças menores de seis anos, para o pleno funcionamento dessa tarefa, necessita de uma complementariedade das ações daqueles que as desenvolvem. Nessa perspectiva, a coordenação pedagógica possui a complexa e multifacetada tarefa de promover o crescimento cultural e social das instituições públicas contemporâneas de cuidados e educação destinados às crianças menores de seis anos.
Para se compreender a atuação da coordenação pedagógica na Educação Infantil é necessário um exame crítico da historicidade dessa função e de sua configuração contemporânea nessa etapa educativa. A função de coordenação pedagógica se constituiu, dentre outros fatores, a partir da articulação entre a história do curso de Pedagogia e da Supervisão Escolar, originando-se da extinção dos cargos de especialista – supervisor e orientador – que se articulou ao processo de reorientação da formação dos pedagogos, na década de 1980.
Nesse período da história da educação brasileira, a supervisão e a orientação escolar eram fortemente influenciadas pelo tecnicismo. Essa corrente de pensamento educacional visava o controle e a promoção da qualidade do ensino de modo centralizado na gestão escolar (na figura da supervisora e da direção). Uma das mais avassaladoras heranças deixadas pela corrente tecnicista para o trabalho da coordenação pedagógica da e na Educação Infantil contemporânea foi a separação entre planejar/executar, expropriando do professor a possibilidade de controle e criação no seu trabalho e aprofundando a divisão do trabalho na escola e nos sistemas de ensino.
Outro fator histórico de imprecisão do lugar do coordenador pedagógico das instituições que hoje compõem a primeira etapa da educação básica é a cisão entre creches e pré-escolas. Do ponto de vista histórico, a Educação Infantil sempre foi vista por duas concepções distintas: a assistencialista e a educacional. A primeira esteve direcionada para os cuidados para com as crianças (até três anos) e, a segunda, com um enfoque mais pedagógico (voltando-se para crianças de quatro a seis anos). Entretanto, Moysés Kuhlmann Jr, pesquisador da Fundação Carlos Chagas, há muito vem debatendo que é preciso superar essa visão dicotômica que pressupõe que creches e pré-escolas eram/são instituições com enfoques distintos e paradoxais (entre assistência e educação), pois, segundo ele, tal dicotomia impregna várias dimensões do pensamento pedagógico. A diferença entre as duas instituições (creches e pré-escolas) se deu historicamente, na visão desse autor, de acordo com o público atendido e não pelos seus propósitos educacionais. Nesse caso, a falta de um projeto de trabalho pautado em objetivos pedagógicos (seja na creche ou pré-escola) acentuou ainda mais a imprecisão da atuação profissional da coordenação pedagógica no âmbito da Educação Infantil.
A coordenação pedagógica da e na Educação Infantil é percebida de modos ainda muito distintos pelas/os profissionais de Educação Infantil que trabalham nas instituições contemporâneas. Na rede pública de Belo Horizonte (PBH), por exemplo, a coordenação não é tida como um cargo específico, mas uma função (que pode ser exercida por uma/um das/os docentes que compõem o quadro de professoras/es de uma instituição pública de cuidado e educação. Em muitos casos, as/os professoras/es são obrigados a ocupar a função mesmo contra sua própria vontade. Na PBH, não há remuneração específica para a/o professora/or que ocupa essa função, o que também contribui para que as professoras não compreendam a função de coordenadora/or pedagógica/o como parte integrante de sua identidade profissional.
No grupo de trabalho sobre a Educação da criança de zero a seis anos – o GT 07 – da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) foi encontrado apenas um único trabalho que versa sobre a questão da coordenação pedagógica na Educação Infantil. Cabe lembrar que na página da ANPEd estão disponíveis para consulta os trabalhos apresentados desde a 23ª reunião – que naquele período era anual – ou seja, lá estão os trabalhos apresentados nos últimos quinze anos. Isso demonstra o quanto a questão da coordenação pedagógica da e na Educação Infantil se configura como uma lacuna da produção científica da área.
Em suma, a coordenação pedagógica das creches e pré-escolas se configura como uma questão lacunar no âmbito das pesquisas e estudos da área da educação infantil. O investimento em investigações com essa temática auxiliaria no processo de ressignificação do lugar da coordenação pedagógica que atua nas instituições de cuidado e educação.