Amanhecido texto – sob as cobertas do tempo

Ivane Perotti

Coloquei-o para dormir. Texto insone. Desejava curar-lhe a sintaxe. Plena de enxaquecas, causara-me arrepios. Vertente de erros. Acertos. Medula óssea. Essa invenção calçada em versos. Acidentes. Substâncias. Aristótele/s/. Paralelepípedos subterrâneos. Engenhos de pau.  Para dentro, gramática. Para fora, sujeito social. Grafia. Daquelas que dizem de nós enquanto dizemos de outros. Ideias em pelo. Nudez. Abissal. Ligações de última hora. Conexão. Regência. Foi mais ou menos assim, naquela noite. Escrevia para acordar. Passando da hora. Quase um trecho de vida e morte. Esses instantes sem tempos. Brevidades do vazio. Apêndices do mal. Do tal. Projeto de horrores. Enfim. Dancei.

Chegou em linhas o sono. Verbal. Mais parecia um desmaio. A consciência vergando dizeres. Discursos apagando ditos. Não ditos. Mapeando. Territórios contritos. Aflitos. Escrever para dentro. Para fora. Dava na mesma. Não dava. Submundo da imaginação. Decoração do mundo. Mundos. Paisagem interna. Externa. Gabarito de ovelhas cruzando a trave. Ponto. Vírgula. Fumaça de apitos. Eco. Crítica. Frase. Sentença final. Advérbio. Assina logo, pombas!

Pombal. Marquês. Alencar. Titãs. Escribas. Êita!  brasis de letras. Povo. Fundido. Ramos. Guima. Rosa. Só craque! Socorro. Nunes. Américo. Pedro. De Faria. Verve na verve. Verbo! Mendes. Primeira página. Contos. Outros. Prosa. Poesia. Entre Mulheres: uma conversa. Duas. No começo, final. Guimarães. Vento em popa. Grua. Moca. Papo. Leme. Não treme! Não treme! Escreve a escrita. Escritura. Moldura. Parede. Tansa. Mansa. É franca. É franca! Manca. Marra! Mara! Página sem fio. Pia. Maria. Lucíola vem cantar. A prole da fronte alta. Acesso. Vertical.

– Ô! Acorda…acorda! Você fala mais do que cobra resfriada. Pensa que dorme e dorme pensando. Ôxe!! Cadê o texto?

– Que texto?

– O dormido!

– Não tô sabeno!

– É para hoje! Acorda!

Acordo o texto. Insone. Eu. As letras. Frases. Café com pão. Pão! Melão. Sabão!

– Você bem poderia discutir essas ideia comigo!

– Tá doida? Vai que pega?

– Mas…

– Dá conta aí e fecha. Cabô!

– Não consigo. Não cabei ainda!

– Ponto final! Lembra? Pontinho…assim, ó… pontinho! Entrega e vambora!

– Não posso! Deu trava.

– Que trava? Que trava? Tava sonhando prás cuia!

– O texto não me responde, tende?

Não tendo! Deixa de enrolar. Fecha aí e manda. Tem babado de sobra! Vai!

Não dava. Não tava! O texto amanhecera outro. Mudara eu. Mudara ele. Sintaxe em subversão. Parágrafos curtos. Longos. Sem som. Papel amassado. Passado. Presente. Confusão.  Palavras saltando fora. Dentro. Fora.  Que m… (!!!) era aquela? Pegara a noite! Passageiros de um fio. Linha. Aquarela. Poço. Pavio. Craquelara as frases. Feitas. Prontas. D’efeito! Impróprias. Minhas. Dos outros. 

– Ô, Mara?!

– Fala aí!

para você começar o seu conto?

– Tá de brincadeira, né? Agora?

– … talvez, pule daí o que preciso ! Aqui…daí!?

– Não brinca com o meu texto!

– Não brinco! Empresta?

– O quê, pelamordedeuso?

Não sabia. Aprendia. Para escrever, melhor deitado. Você. Eu. O texto. Tempo. Axial. Na chapa da trempe, cozia eu. Curtia ele. Buracos com teto. Fogo Morto. Caçarolas barrocas. Travesseiro frio. Leito de credos. Cruz de ferro. Várzea. Lodaçal. Vidas Secas. Bovino sem chifres. Cauda do mal! Pau! Cal!

– Mara?

– Santo Pai! O quê?

Deu pau

– Pedra!

Deu pau…juro!

Dei pau. Dei…muda o verbo!

– Pronome…

– Se sabe, por que pergunta?

Precisava. Da resposta. Pergunta. Mara guardava tudo. Uma chave. Baú de rendas. Firulas. Mulher de fibra. Falava, tava feito. Precisava dela. Aguardava. Não nascido. Fracionado. Em voo livre, as letras. Tretas, da vida comum. Queriam grupo. Ninho. Linha. Agulha. Fina. Gravata. Tecido. Costura. Alta. Ela sabia. Conhecia o mundo. Piauí sem fronteiras. Ôxe! Conhecia os babado dum tudo! Amarra! Amarra!

– Ô, Mara!? 

– Humm!?

aqui pensano em ti.

– Tu…

– Tá!

Arre diabo! Cê só fala água!

– É… cachaça. Prefiro, uai!

– Não vê qui tô aperriada com esse balaio-de-gato?

– É … só  um texto!

– Só? Tu tá aí … querendo discuti o discutido. Eu, umondicoisa!

Começa! Tendeu?

Qui começa o quê!! Tô cum bucho no mêi da goela!

– Ideias… sacô? Daí! De… aí! Hum?

– Isso é o que não falta por essas bandas! Côrra linda!

– Piauí de meus amor! Arretado de lindo! Marrébom dimais da conta!

– Então?

– Então o quê, dona coroca? Eu já coisei mais da metade do…

– E?

– O conto não sai!

– Conta!

– Conto! Não sai…

Molece, Mara! Molece!

Deu bolhas. No texto. Na mão. Nas nád…gas! Bolha para todo canto e gosto. Bolha funda. Bolha rasa. Bolha cheia! Vazia! O texto lembrava petisco à pururuca. Pintalgado de vazios. Buracos negros. Bocarras de indecisão. Preenchimentos. Silêncios compadecidos. Interditos. Gestos. Incompletos. Diurnos. Noturnos. Forma textual. Varal. Ponta de lança. Tensa. Vingança!

– Ah! Nem!? Chega! Quando não sabe o que escrever emenda a rima. Sem graça isso daí.

– Concordo, Mara!

– E não é que deu linha? Côrra linda!

– Corro não! Vô fica aqui, esperano o seu…


Imagem de Destaque: Cdd20/Unsplash

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