Sabrina Cotta
Nunca tive um aluno tão quadrado. Isso é um contrassenso, por ser tão mente aberta e aceitar tanta coisa, mas é quadrado e pequeno – resguardadas as proporções habituais. Mas, segredo de confissão, olhar tanto para ele me cansa. Fico envergonhada em dizer isso, mas é a mais pura verdade.
Ele sabe de tudo, ou de quase tudo, mas se alimenta sozinho das informações de que precisa. Felizmente, como bom aluno que é, a tendência é que saiba sempre mais e mais. E isso é brilhante! Ele também é brilhante, diga-se de passagem, tem um brilho intenso e fluorescente. É sabichão, fluorescente e… quadrado.
Devo dizer que, no começo, achei até que seria uma boa ideia, um aluno com potencial de ser tão aplicado. Só que, caros amigos, esse aluno tem um defeito. Um defeito grave e incorrigível: ele não tem sentimentos. Simples assim. Nele nada dói e ele não se cansa. Fica ali, estático, imóvel, sempre com boa postura, sempre limpo, ligado e organizado. Já pensou, um aluno sem sentimento? Nada sente, nada suporta e nada vê.
Digo isso pois, apesar de eu o ver, sei que ele não me vê. Essa recíproca que não é verdadeira dói no professor, a gente nasceu para olhar nos olhos, para ser visto e requisitado, questionado, tocado e abraçado, e nada disso temos podido viver. Ele não me vê e já sabe de (quase) tudo, portanto nunca tem perguntas. Esse aluno quadrado só tem as respostas, fáceis ou difíceis de encontrar…
Eu tento conversar, mas ele não responde. Penso, afinal, para que serve estar ali tão bem arrumado se não pode falar comigo? Ou será que não quer? Prefiro pensar na primeira opção. Sorrio sempre para ele, quer eu seja vista quer não, arrumo meus cabelos diante dele e, segunda confissão, às segundas-feiras de manhã meu rosto recém-lavado está longe de ser o que eu queria que ele visse.
Queria que ele visse em mim a (pequena? grande? média?) contribuição que quero lhe oferecer. Que visse que, para mim, como professora, é complicado estar ali o tempo todo face a face com sua face brilhante. Queria que visse que agora o tempo também corre mais lento para mim como acredito que corra para ele – mas será mesmo que o tempo dele não é só o tempo do relógio, tão automático, tão maquinal? Queria mostrar o melhor que tenho para oferecer, mas como, se ele não me vê?
Quem sabe se lá dentro, do outro lado desse rosto claro e iluminado, existisse alguém, um outro aluno menos quadrado, menos brilhante, com pior postura e talvez um pouco menos organizado, a gente poderia se entender melhor? Um aluno que me visse, que me ouvisse, que acreditasse que não estão sendo poupados esforços apesar da ocasião e que não tivesse todas as respostas; um que visse nos meus olhos o cansaço e o prazer do reconhecimento por um trabalho desconfortável, exaustivo e solitário e que pudesse, de um jeito tão simples, dar fim – pelo menos – a essa solidão.
– Bom dia, professora!
– Bom dia, pessoal, como estão?
E a energia se renova: há, sim, gente de verdade do lado de lá! Esse aluno quadrado é só uma caixa onde agora moram os alunos de verdade, aqueles sim que veem, ouvem, conversam e quase abraçam com a voz. São brilhantes à sua maneira, mas seu brilho não me cansa; pelo contrário, me alimenta.
***
O professor não nasceu para estar só. Ele adoece, ele se entristece, ele se questiona. Nasceu para romper o silêncio-ausência e fazer o seu papel, que não pode ser feito a duas mãos. Que os alunos aprendam, como nós, a colaborar, trabalhar junto, e que possam ser companhia para muito além da tela. Que sigam a caminho de se tornarem pessoas brilhantes e empáticas, solidárias e dedicadas. Um salve aos professores, e que eles não sejam protagonistas invisíveis de caminhadas solitárias…
Imagem de destaque: AnastasiiaKamil / Unsplash.
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