Africanidades e inclusão: atividades educativas interdisciplinares

Vagner Luciano de Andrade

Eloar Pereira de Andrade *

A superioridade racial moldou o mundo desde tempos pretéritos e se caracterizou como uma distorção cultural que expressou permanências e rupturas no tempo e no espaço. Os homens pré-históricos, bem como aqueles do Medievo e da Antiguidade, situavam-se no mundo pela política, mas também, sobretudo, pela exclusão e diminuição social que produziam. Em termos modernos e contemporâneos, o discurso da raça pura ganhou moldes e cenários. Populações inteiras foram perseguidas e execradas. Esta realidade não seria diferente no Brasil, Estado laico de direito, composto por uma das maiores populações negras fora da África. Historicamente, os brancos se autoafirmaram e se legitimaram como seres existencialmente superiores aos indígenas e negros. Assim, a história brasileira é a história da negligência e do descaso, mas também do resgate das populações afro-brasileiras extorquidas de sua identidade e ancestralidade.

Contam os registros principais que o Brasil fora descoberto por brancos portugueses que se encontravam a caminho das Índias. Chegaram às terras desconhecidas e entraram em contato com povos “estranhos” tidos como selvagens, os quais denominaram de índios. Assim, inicia-se a história da violação, do crime, da barbárie a que foram submetidos os povos silvícolas, resultando em drástica aculturação e redução populacional. Na sequência, ao serem implantados sistemas produtivos, os indígenas foram, gradativamente, substituídos pelos negros, originando-se a drástica história da escravidão humana da qual o Brasil foi, vergonhosamente, um dos últimos a abolir no mundo. Com a abolição criou-se uma falsa democracia racial, muitas vezes expressa em lei, mas longe de uma aplicabilidade no cotidiano.

Negros e indígenas vítimas dos “bondosos europeus” devem ser entendidos como duas culturas prioritárias na formação da nação brasileira. A verdadeira aceitação e inclusão social do indígena, assim como do afrodescendente, é um exemplo ímpar de cuidado, zelo e ética desconhecidos dos civilizadores brancos europeus e que precisa de reparações legais imediatas. Que sociedade medíocre criamos, na qual a égide prioritariamente cristã nega o outro enquanto diferente desconsiderando a sua condição maior de ser humano. Precisamos rever nosso projeto de sociedade e noção de concepção e coletividade. Aprendamos que uma nova ordem social se faz e se refaz no respeito à diversidade e às diferentes formas de ser/estar no mundo. Assim, os saberes e fazeres materializados nas diferentes africanidades nos induzam a pensar e repensar a história do branco opressor que vem destruindo espaços, paisagens e culturas. É preciso, portanto, valorizar novas formas de pensare novos caminhos a serem entendidos e acolhidos.

Vinte de novembro não representa apenas a luta dos negros em busca de respeito e de igualdade. Representa com legitimidade a busca por uma sociedade livre de preconceitos, de todos eles. A Escola pública, seja ela estadual ou municipal, atende em sua maioria, alunos de contextos sociais de vulnerabilidade, carentes de meios e recursos que os conduzam a uma vida com dignidade e qualidade. Assim, apesar de uma série de limitações, as unidades escolares têm se direcionado a ofertar uma educação pública associada à inclusão e à construção de novas perspectivas nas comunidades locais. Lamentavelmente na maioria das escolas, educandos que apresentem problemas de aprendizagem, negros, deficientes ou homossexuais não são aceitos por alguns alunos. Observam-se assim na conjuntura do modelo contemporâneo de escola algumas manifestações de desafeto, que precisam de imediata superação.

Diante desta realidade, faz-se necessário uma intervenção pedagógica visando alterações significativas de postura, contribuindo para o estabelecimento e consolidação de novas relações. Para viabilizar o respeito às diferenças, é importante entender as bases culturais, sociais e sociológicas da inclusão. Nesta perspectiva de inclusão e igualdade, deve-se trabalhar a resignificação das diferenças, visando a afirmação de cada um enquanto sujeito sociocultural e, portanto, possuidor de direitos e deveres. Isso de fato contribuirá para sua inserção em todos os processos sociais, rompendo com as tendências de preconceito e exclusão historicamente enraizadas na cultura escolar e na sociedade em geral.

Recentemente, informações levianas foram vinculadas na mídia atestando fatos contrários à imagem de Zumbi dos Palmares enquanto ícone de resistência negra no Brasil. Nota-se que o assunto é de suma importância no âmbito da educação básica, educação técnica e profissionalizante e ensino superior. As discussões recentes acerca da Lei Federal nº 10.639, que, em 09/01/2003, decretou a obrigatoriedade do ensino de História da África e da cultura afro-brasileira nas instituições de ensino, devem ser legitimadas no cotidiano da prática docente. Mas é fato que tais reflexões ainda estão restritas às disciplinas de história, arte e língua portuguesa limitando as ações pedagógicas. O passado escravagista do Brasil é uma vergonha e uma dívida histórica para com milhares de pessoas deportadas de suas paisagens ancestrais. Mesmo com a abolição da escravatura em 1888, o preconceito se enraizou e se materializou no cotidiano dos brasileiros. É preciso acabar com esse absurdo imediatamente. Assim, as afirmações curriculares em africanidades, temas afrodescendentes e temáticas afro-brasileiras tendem, com o advento da respectiva lei, a se pulverizarem nos diferentes programas em curso na educação básica e superior construindo novas perspectivas. Assim, o negro e seu papel fundamental na história da nossa nação se afirmam e se legitimam, e não ficam restritos apenas à imagem de Zumbi dos Palmares, nem ao 20 de novembro, pois eles são apenas o início de um processo que não pode e nem deve ser mais negligenciado.

A história da África e da cultura afro-brasileira é um tema integrador, transformador, interdisciplinar, multidisciplinar e transdisciplinar. Por permear diferentes contextos, conteúdos e disciplinas, essa temática acaba sendo negligenciada por professores que não se sentem preparados e/ou motivados para abordar essa questão. O professor que entende a premissa desta discussão no âmbito escolar não se restringe às dificuldades e limitações do currículo básico e da escola. Ele se mobiliza no sentido da inserção desta discussão em sua prática docente, mas várias limitações se consolidam, extinguindo possibilidades educativas significativas para os alunos. Destacam-se:

  • desconhecimento de demandas locais no que se refere à afirmação de grupos afrodescendentes e suas inserções na escola;
  • falta de oficinas de capacitação e mobilização para a temática por parte das secretarias de educação;
  • indefinição das linhas de formação humana e profissional (“Africanidades é coisa da humanas , não das exatas”);
  • inexistência de diagnóstico da realidade sociocultural do entorno da escola.

Assim, diferentes tipos de ferramentas pedagógicas (documentários, estudos de caso, filmes, músicas, imagens e/ou reportagens etc) serão utilizadas na sala de aula durante as discussões sobre história da África e cultura afro-brasileira. Esse conteúdo precisa ser trabalhado com alunos do 6º ao 9º anos do ensino fundamental, em todas as disciplinas. Mas algumas áreas potencializam abordagens como a ecologia afro-brasileira, a história afro-brasileira, a filosofia afro-brasileira, a geografia afro-brasileira, a sociologia afro-brasileira, a arte afro-brasileira. Os professores podem realizar acolhimentos diários, promovendo todos os dias, durante o recreio, momentos significativos como rodas de conversa propondo reflexões ecológicas, sociológicas e filosóficas sobre a África e sobre a escravidão pretérita. Também é possível e viável organizar atividades grupais como a construção coletiva de cartazes com um tema consolidando as reflexões construídas. Adramatização é um potencial educativo ao promover, por exemplo, uma atividade teatral com bonecos sobre preconceito dos “brancos” para com os “negros”, com ensaios no último horário e posterior apresentação para a escola. A exibição de filmes com temas relacionados ao problema do preconceito com posterior reflexão a ser construída através de relatórios e recontos na semana seguinte. Também se pode pensar em leitura de uma história por dia, propondo leitura, interpretação oral, apreciação da obra com perguntas e comentários, debate e conclusão. Enfim, há de se formatar uma prática docente onde não prevaleça a histórica distinção entre brancos e negros, mas, sobretudo, que existam apenas humanos com sua diversidade e unicidade.

 

* Filósofa e Professora da Escola Estadual Nossa Senhora de Fátima no município de Desterro de Entre-rios/MG.

Imagem de destaque: Rovena Rosa/ Agência Brasil

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