Academia brasileira de letras: a casa de Machado de Assis – parte II

Alexandre Azevedo

Outra grande polêmica foi a eleição de Guilherme de Almeida (1890-1969), o primeiro modernista a se tornar imortal, abrindo as suas imponentes portas para outros modernistas, como Manuel Bandeira (1886-1968), Cassiano Ricardo (1895-1974) – responsável por convencer a Academia comemorar o aniversário da Semana de 22, evento eminentemente antiacadêmico – Menotti Del Picchia (1892-1988). Também vale a pena registrarmos a eleição do cineasta Nélson Pereira dos Santos (1928-2018), que transpôs para a tela obras consagradas de Graciliano Ramos e João Guimarães Rosa (1908-1967) – este o escritor que menos tempo ficou como imortal, apenas 72 horas! A histórica presidência de Nélida Piñon (1937), a primeira mulher a presidir uma academia nacional, vale também um registro.

Excetuando-se aí Machado e Nabuco, Euclides da Cunha (1866-1909) sempre foi a “menina dos olhos” daquele Silogeu. O sucesso esplendoroso de Os sertões fez com que o novel escritor ingressasse não só no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, como também na Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira 7, cujo patrono é o condoreiro poeta dos escravos, Castro Alves (1847-1871), sucedendo ao crítico literário e um dos sócios fundadores Valentim Magalhães (1859-1903). Entretanto, Euclides da Cunha também deixou escapar farpas à instituição, numa carta a Domício da Gama, datada de 5 de agosto de 1907, por ocasião de uma tentativa de reforma ortográfica:

Não sei se aí já chegaram notícias da Reforma Orthographica… (Aí deixo, nestes maiúsculos e nestes HH, o meu espanto e a minha intranzijencia etimolojica!) Realmente, depois de anos de alarmante silêncio, a Academia fez uma coisa assombrosa: trabalhou! Trabalhou deveras durante umas três dúzias de quintas-feiras agitadas – e ao cabo expeliu a sua obra estranhamente mutilada, e penso que aborticida (FERNANDO JORGE, p.48).

Pulando de emprego em emprego, vivendo em precária situação financeira, Euclides conhecera uma academia bem distante do que ela é hoje: uma rica instituição capaz de pagar uma boa quantia em dinheiro para todo aquele imortal que frequentar as reuniões semanais com direito ao tradicional chá com biscoito – não podemos nos esquecer, obviamente, do mausoléu a que todo “imortal que morre” tem, contrariando assim a máxima bilaquiana: imortal porque não tem onde cair morto! Naquela época de Euclides, a Academia não passava de uma salinha pobre alugada no centro do Rio de Janeiro pelos acadêmicos, sob a presidência do já então viúvo Machado de Assis, e que, por esse motivo, já não estava nem um pouco interessado em presidi-la. Se de um lado, a Academia teve como presidente o seu fundador, por outro ela também teve a sorte de ser presidida pelo jornalista Austregésilo de Ataíde (1898-1993) que, por quase 35 anos à frente da instituição, de 1959 a 1993, fez com que o “Petit Trianon brasileiro” se tornasse uma grande “empresa literária”. Essa virada deveu-se e muito ao livreiro e editor luso-brasileiro Francisco Alves (1848-1917) que fez da Academia a sua herdeira universal, espécie de “Alfred Nobel brasileiro”, com a condição de premiar os escritores. Afrânio Peixoto não viu com bons olhos a herança deixada pelo livreiro:

(…) há muito estou convencido de que, com o seu legado, o velho Alves a matou. A herança do livreiro tornou-a requestada, não pelos mais capazes, mas pelos mais insinuantes. Insinuantes das mais diversas formas: pelo prestígio, pela força, pela afabilidade. Tornando-se rica, a Academia se fez mundana e muitos querem entrar para lá apenas pela fama social que ela empresta aos seus membros (FERNANDO JORGE, p.268).

Pobre Euclides – pobre agora no sentido metafórico – por ter frequentado a Academia por apenas três míseros anos – tomou posse em dezembro de 1906 e morreu em agosto de 1909 –, já que tombou mortalmente na varanda da casa da Piedade, alvejado pelos tiros do jovem tenente Dilermando de Assis (1888-1951), amante de sua mulher Ana. Levado o corpo do imortal para ser velado pelos acadêmicos, notamos – pela fotografia – o quanto era pobre aquela Academia, sem a pompa de hoje que lhes é oferecida. E Dilermando? O que foi feito dele? Baixou hospital, já que também fora alvejado por Euclides da Cunha, e, após algum tempo entre a vida e a morte, prevaleceu a primeira. Entretanto, foi levado à prisão, para depois ser julgado e absolvido, graças ao brilhantismo do então rábula Evaristo de Moraes (1871-1939). E Ana da Cunha? Tornou-se Ana de Assis. Mas não viveram felizes para sempre. Sete anos após a “Tragédia da Piedade”, outra tragédia, de igual proporção, comoveu o povo brasileiro: Euclides da Cunha Filho, o Quidinho, com o intuito de lavar a honra do pai, saiu à caça de Dilermando pelas ruas do Rio do Janeiro. Incrivelmente, a cena se repetiu: Dilermando e Euclides da Cunha (filho) trocaram tiros. E como da primeira vez, Euclides caiu morto. E Dilermando? O que foi feito dele? Baixou hospital, já que também fora alvejado por Quidinho, e, após algum tempo entre a vida e a morte, prevaleceu a primeira. Entretanto, foi levado à prisão, para depois ser julgado e absolvido, graças ao brilhantismo do ainda rábula Evaristo de Moraes, que acabaria se formando em Direito somente aos 45 anos de idade, tendo sido o orador de sua turma.

E Ana de Assis? Após separar-se de Dilermando, reatou o casamento. E mais uma vez não foram felizes para sempre… Ao descobrir que agora era Dilermando que possuía uma amante, separou-se dele definitivamente.

E Dilermando casou-se. E desse novo casamento nasceu Dirce de Assis. E dona Dirce tornou-se Dirce de Assis Cavalcanti, esposa do diplomata e do escritor Geraldo de Holanda Cavalcanti* (1929), que, sucedendo ao bibliófilo José Mindlin (1914-2010), tornou-se o mais novo imortal da Academia Brasileira de Letras! Para a Academia, caso encerrado. Mas Euclides da Cunha continua sendo a sua “menina dos olhos”…

 

Para saber mais
FERNANDO, Jorge. A Academia do fardão e da confusão, São Paulo: Geração Editorial, 1999.

MONTELLO, Josué. Anedotário geral da Academia Brasileira, 2ª ed. São Paulo: Livraria Martins editora, 1974.


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