Marcelo Silva de Souza Ribeiro
A despeito do possível mal-estar em falar de pandemia da Covid 19, algo que carrega uma certa saturação, é necessário encarar os seus desdobramentos, sobretudo quando inauguram novos desafios e potencializam graves problemas já existentes no âmbito escolar e que atingem crianças e adolescentes. É preciso olhar de frente mesmo que não seja agradável.
Ainda que uma parte importante desses graves problemas digam respeito aos atrasos escolares e aos déficits de aprendizagem, faço aqui referência aos problemas relacionados à saúde mental dos escolares, destacando os transtornos de ansiedade, os quadros de depressão, as manifestações de comportamentos autodestrutivos (autolesão sem intenção suicida) e mesmo a ideação e tentativa de suicídio.
Atuando no campo da Educação na condição de professor universitário, pesquisador, psicólogo e orientador de estágio, já presenciava antes da pandemia uma significativa demanda das escolas em relação à saúde mental aqui na nossa região do Vale do São Francisco. Não havia uma instituição educacional, seja da rede pública ou privada, da educação infantil ao ensino superior, que não demandasse dos serviços da clínica escola de Psicologia da nossa universidade, dos projetos de pesquisa e extensão, e mesmo dos nossos estagiários, alguma ação de enfrentamento.
Obviamente que as demandas não se restringiam apenas ao meu contexto. É da ordem mundial. No Brasil mesmo, muitas entidades já estavam preocupadas com essa situação, como é o caso dos conselhos de classe, das secretarias de saúde e educação, além de inúmeras organizações não governamentais.
Infelizmente, com a pandemia, esses problemas tomaram proporções ainda maiores. Ainda que invisibilizados no período do ensino remoto, justamente porque as crianças e os adolescentes não eram mais vistos nos cotidianos por conta da supressão das vivências nos espaços escolares, os problemas permaneceram e até mesmo se agravaram. Afinal, a pandemia, aliada à crise social e política que o país atravessava (e atravessa), ceifou a vida de milhares de brasileiros e inaugurou condições ansiogênicas. Isso tudo aprofundou e complexificou os problemas que já existiam, como a violência doméstica, o desemprego e toda a sorte de desassistências que as populações, sobretudo as mais pobres, vem vivendo.
É óbvio que as questões relacionadas à saúde mental dos escolares não tinham desaparecido no período do ensino remoto. Os sofrimentos continuavam e as condições de vida dessas crianças e adolescentes, na sua grande maioria, se deterioravam. Não é surpresa, portanto, que no retorno das aulas presenciais, instituições escolares gritem por socorro. Se antes, pelo menos no nosso entorno, as escolas demandavam ajuda para dar conta de alunos que manifestavam algumas dessas situações, agora é comum os fenômenos coletivos, que chegam, por exemplo, a acometer turmas inteiras. Já virou rotina o SAMU ser chamado por escolas para socorrer alunos que se cortam nos banheiros, que ameaçam tirar a própria vida ou entram em estado de ansiedade agudo ou manifestam níveis de depressão profundos.
Se essa situação toda já não fosse desesperadora, nota-se um quase abandono das escolas, que não conseguem apoio suficiente na rede de saúde e na assistência social. Para quem encaminhar essas crianças e adolescentes? Quando os pais têm algum recurso há ainda alguma condição para viabilizar os encaminhamentos, mas quando são oriundos de famílias pobres, como ficam essas crianças e adolescentes? Nesses casos são entregues à própria sorte, mesmo que existam inúmeras e louváveis tentativas por parte dos profissionais escolares em dirimirem esses sofrimentos.
A situação é deveras desesperadora e na minha avaliação só tende a piorar. Talvez encarar essa situação seja um caminho, ainda que frágil, de algum tipo de enfrentamento. Considero fundamental que esse tema seja amplamente debatido na sociedade e que possamos criar redes de apoio e enfrentamento.
Sobre o autor
Dr. em Educação. Professor do Colegiado de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). E-mail: marcelo.ribeiro@univasf.edu.br
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