O pressuposto do engajamento e a frustração generalizada
Raquel Melilo
Renata Fernandes
“A vida era boa quando a escola era chata”. Pensando num conjunto de sensações e emoções relacionadas à experiência de ir para a escola quando criança e adolescente, algumas memórias brilharam na minha mente. Brilharam não somente porque eram boas. Mas porque tinham uma centelha de reflexão que eu decidi acender.
Me lembro que na escola da minha infância havia espaço e tempo para o tédio, a frustração e o lazer. As aulas nem sempre despertavam um interesse genuíno pelo aprendizado. Não num primeiro momento. O gozo do aprender se revelava num contínuo que envolvia a apresentação do objeto de estudo, alguma situação de desequilíbrio (a dificuldade e/ou a descoberta de algo totalmente novo) e a compensação pela dedicação aos estudos (um bom resultado em uma avaliação ou o prazer de resolver algum problema complicado). Além disso, o resto da vida fora da escola podia ser legal. (sobretudo o instante imediato após o fim do dia letivo, quando “batia o sinal”). Cresci com a sensação de que os finais de semana deveriam ser bem aproveitados porque durante a semana tínhamos a escola. Podíamos, enquanto crianças, ter instantes de felicidade plena entendendo que a vida era composta de partes chatas e legais. Foi um treino para a vida adulta.
Hoje a escola tem que ser legal. E estou ao lado de quem tem que promover as sensações agradáveis do aprendizado. Sou professora. Na minha vez de proporcionar situações de desequilíbrio, há quase um consenso de que o meu papel é engajar e motivar o estudante a querer aprender. E eu, que também sou pesquisadora em Educação, acredito que o desequilíbrio não envolve necessariamente a promoção de estímulos sensoriais agradáveis. Aprendi com Piaget e com a Teoria da Equilibração que situações de desequilíbrio são perturbações que resultam de conflitos momentâneos, que uma vez ultrapassados ou superados conduzem a novas construções. Dito de uma maneira mais simples: o pressuposto do engajamento, como a válvula propulsora do processo de ensino/aprendizagem, frustra professor e aluno.
Como educadora, observo o seguinte contexto em algumas escolas: professores extremamente frustrados porque não conseguem conduzir ações pedagógicas que promovam aprendizado significativo. E embora haja uma série de fatores que possam explicar os novos desafios do ensinar/aprender, normalmente a culpa é transferida ao professor: que não engajou os estudantes o suficiente. O professor, que domina um objeto de estudo, que acumula metodologias de aprendizagem advindas da sua própria experiência, é o culpado pelo desinteresse de uma geração de adolescentes. E como o pressuposto do engajamento mostra-se constantemente falho, o professor adoece. Ele adoece de exaustão e frustração. Exausto de fazer cursos de novas metodologias e formações sobre o papel das tecnologias na educação. Frustrado, porque nenhuma estratégia de gamificação é tão prazerosa quanto o Tik Tok.
Percebe-se, portanto, que os debates educacionais têm ignorado, por vezes, as mudanças na estrutura cognitiva de uma juventude que é viciada em estímulos promovidos pelas redes sociais. E a palavra vício não é exagero haja vista a quantidade de pesquisas que escancaram os efeitos nocivos de uma superexposição sem regulação aos aplicativos de prazer imediato. Várias operações mentais prescindem de muito esforço e dedicação. A compensação (prazer) advém do investimento a esse esforço.
É necessário defender a escola como o locus do desenvolvimento de habilidades cognitivas refinadas e de raciocínio crítico. Afinal, foi a escola da minha infância que permitiu que a centelha de várias reflexões surgissem na minha mente. A escola chata me forneceu ferramentas de leitura do mundo tão complexas e completas que eu ainda consigo ler o mundo, apesar das constantes transformações. A escola chata me permite defendê-la com adjetivos simples e de elaborar um raciocínio dialético ao concluir que a escola chata é legal.
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