A UFMG em questão – Luciano Mendes de Faria Filho

A UFMG em questão

Luciano Mendes de Faria Filho

A publicação de uma  série de reportagens do jornal Estado de Minas sobre as questões que o próprio jornal identifica por tráfico de drogas,  por insegurança e por vandalismo nas dependências da UFMG, notadamente na Faculdade de  Filosofia e Ciências Humanas  – FAFICH, tem mobilizado a comunidade universitária numa rara reflexão sobre a situação e sobre os rumos da maior universidade federal de Minas e uma das mais importantes do país.

Penso que, por um lado, não podemos ser ingênuos nem de achar que o jornal está mirando apenas a UFMG nem sermos capturados pelas malhas da própria reportagem e da maneira com ela produz a realidade na e por meio da notícia. Por outro lado, não podemos achar, também,  que está tudo bem e que as reportagens  representam simplesmente  mais uma investida do jornal contra a UFMG.

Reiteradamente as reportagens enfatizam que os problemas ou foram criados, ou agravados, com  o corte da verba federal para as universidades, numa clara estratégia de federalizar o problema, dando-lhe uma  hiper-atualidade que encobre tanto o investimento político do jornal quanto obscurece a percepção do problema. Na verdade, o jornal e boa parte da imprensa, vêm mirando no problema da expansão das universidades públicas e de sua ocupação por outros sujeitos já há muitos anos e tem reiteradamente focado o  perigo que isto representa para a qualidade (e, quando não) para a integridade dessas instituições.

É preciso que reconheçamos que muitos setores da universidade, entre professores, alunos e TAEs, concordam com esses diagnósticos e andam apreensivos há muitos anos. Do mesmo modo, boa parte da população  – e  não apenas aquela que lê o jornal – talvez também apresente a mesma apreensão.  Nesse sentido, muitos jovens – com seus vários pertencimentos identitários  –  bem como suas famílias, que muito lutam e lutaram para chegar à UFMG, gostariam de ter uma UFMG como outras gerações tiveram: como um lugar de distinção social, econômica, cultural. É com essa apreensão, com esse medo de perda, que o jornal  joga, seja para o público interno seja para público externo à universidade.

Mas é preciso evitar outra forma de captura pelas malhas das reportagens tanto na circunscrição do problema  e, logo, na produção do mesmo, quanto na formulação dos diagnósticos e das soluções.   Nem o problema é da/na FAFICH nem o problema tem apenas as cores com que o jornal o pinta, o que não quer dizer que o jornal inventa, pura  e simplesmente,  os problemas. 

Sabemos que o crescimento das universidades federais e, entre elas, a UFMG, veio atender a uma grande demanda social e política e foi feito sem planejamento, sem que a estrutura técnico-administrativa se desse no mesmo ritmo e sem que houvesse a criação de condições materiais que o suportasse, para dizer o mínimo. Houve, nesse sentido, uma precarização das condições de trabalho e de funcionamento da universidade, sobretudo no período noturno, que é notória e afirmada há muito pelos alunos, pelos professores e, mesmo, pelos gestores da universidade. Desse modo, o próprio crescimento, sua dinâmica política e sua direção  – para o noturno  e não para o diurno – precisa se problematizada e melhor entendida. As faces noturnas das universidades públicas, dentre elas a UFMG, não podem ser colocadas de lado no momento de se fazer os diagnósticos, sob pena de defendermos soluções que pouco têm de democráticas, de inclusivas e de transformação da universidade num local melhor para se conviver, para se ensinar e aprender, para se criar e pesquisar, para se trabalhar e para se divertir.

Por isso mesmo,  não podemos esquecer que as universidades federais, sobretudo as grandes como a UFMG, se transformaram nas últimas décadas em instituição de grande complexidade, sem que as nossas estruturas institucionais e de governo, bem como de apoio, acompanhassem este movimento.  Some-se a isso o deslocamento crescente da universidade, de seus modos de consagração  acadêmico-científicos, para o campo da pesquisa científica, e temos uma combinação desastrosa. Estamos lidando com uma realidade totalmente nova com ferramentas e competências dos anos 70 e 80 do século passado!

Ou seja, a situação estampada nas páginas do principal jornal mineiro sobre a principal universidade do estado, no que ela tem de verdadeira, é fruto de um conjunto complexo de questões que nem de longe é um problema apenas da FAFICH. Isso não quer dizer que a comunidade da FAFICH não tem a responsabilidade de se debruçar sobre os problemas que lhe concernem para buscar uma solução coletiva para eles. Não fazer isso seria uma grande irresponsabilidade.  Da mesma forma, seria igualmente irresponsável dizer que o problema é dela e somente dela. A UFMG, todos nós, dirigidos pelo reitorado que aí está, temos que desenvolver estratégias para enfrentar os problemas estruturais vividos pela nossa universidade, e que em boa parte estão na origem de alguns dos reais problemas vividos pela comunidade universitária da FAFICH mas, também, de todas as outras unidades acadêmicas.

Isso significa, entre outras coisas, recuperarmos nossa capacidade de fazermos planejamento, de repactuarmos as formas de governo universitário, de revermos nossas formas de administração acadêmica, de conjugarmos criatividade e ousadia no enfrentamento dos problemas que já existem, e não apenas para a projeção do futuro. Significa também que as soluções propostas devem (ou deveriam) levar em conta a experiência e os conhecimentos que já acumulamos e produzimos sobre os problemas em pauta. Se tal não for, que autoridade teremos para cobrar que os órgãos públicos ou a sociedade civil o façam? Se queremos que a experiência e os conhecimentos que acumulamos impactem as política públicas, devemos começar pelas nossas próprias políticas!

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *