A redescoberta do Legislativo

No conjunto dos poderes representativos  da República, o  Brasil tem uma tradição de centralização do poder e, portanto, da atenção pública no Executivo. Neste contexto de hipertrofia do poder Executivo, o Legislativo, de modo geral, foi relegado a segundo plano, ainda que, sempre e sempre tenha tentado se auto representar como a “casa do povo”.  Em nossa experiência republicana não foram poucas as vezes em que, em regimes democráticos ou de exceção, o Executivo assumiu para si o próprio poder de legislar sobre “todas as coisas” relegando o Legislativo a um poder decorativo ou chancela de seus atos. 

Em razão dessa concentração de poderes e recursos,  os investimentos dos mais diversos movimentos organizados pela população em defesa e, mesmo os estudos sobre o funcionamento do Estado brasileiro, se voltaram para o diálogo com o Poder Executivo. Neste contexto, não é sem razão que tenha havido em boa parte de nossa história do século XX e início do XXI, pouca atenção ao funcionamento do Legislativo e aos seus rituais e regras de auto regulação, auto reprodução e de garantia da ordem política, social e econômica de exclusão e produção de desigualdades.

Mas essa tradição não pode nos cegar para o fato de que, sobretudo nos períodos de exceção ou em que, como agora, a prática democrática esteja ameaçada e o Executivo assumiu uma posição francamente contrária aos interesses da população pobre e excluída, sempre foram os Legislativos, federal e estaduais, os espaço mais poroso por onde se expressavam, mesmo que de forma minoritária e vigiada, o Estado de Direito Democrático, a defesa da vida e a proposição de políticas de garantia de direitos da maioria da população.

Neste sentido, não é por acaso que, sobretudo a partir do Golpe de 2016, os movimentos sociais e coletivos democráticos tenham se voltado para o Legislativo como forma de enfrentamento às práticas e política antidemocráticas e violentas estabelecidas pelo Executivo Federal e de vários Estados da República. Isso tem significado, na recente política brasileira, não apenas uma redescoberta da função e importância do Legislativo, mas também um aprendizado de suas regras e rituais.

O entendimento da forma de funcionamento das casas Legislativas  têm sido importante para que, ainda que em situação muito desigual das relações de poder no interior dos legislativos, mas contando com ajuda de parlamentares articulados aos interesses da maioria da população, tenhamos conquistado importante vitórias contra executivos autoritários, corruptos e corruptores, inclusive de vereadores, deputados e senadores.

Vitórias como as aprovação do “novo Fundeb”, contra o governo Bolsonaro e seus aliados no Congresso,  e, nesta semana, a derrubada o veto do  Governador Zema ao cumprimento da Constituição Estadual e da Lei do Piso do Magistério na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, não são as únicas, mas são simbólicas dessa redescoberta do poder e da importância dos parlamentos.

Não se trata, obviamente, de fazer vistas grossas à composição absolutamente pouco representativa de nossos legislativos e da vinculação aos poderes econômicos e religiosos mais nefastos. Pelo contrário, quanto mais conhecemos mais podemos expor as mazelas dos poderes da República e de seus escusos interesses. Ao mesmo tempo, quanto mais conhecemos, melhor podemos interferir nos seus funcionamentos e cobrar que se dobrem aos interesses da maioria da população que os mantém e que são o sentido último de sua existência. 


Imagem de destaque: João Victor Oliveira (PEPB)

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