A frente ampla que interessa é a de movimentos sociais 

Aurélio Ferreira
Rudá Ricci

Com este breve artigo, nossa intenção é colocar em movimento a questão da urgência de se levar a sério, no Brasil, uma frente ampla capaz de mobilizar os anseios, sonhos, angústias, desejos, alegrias, a justiça em defesa daqueles e daquelas pessoas desprovidas de emprego, de casa, de educação, de comida e de tantos outros direitos constitucionais e humanitários. Nos referimos a uma massa de trabalhadores que, com a pandemia ou sem pandemia, nos últimos anos, apesar de terem perdido seus empregos, não pararam de trabalhar nem de lutar pela sua própria sobrevivência e a sobrevivência dos seus. Com a pandemia esses trabalhadores continuaram trabalhando e, com isso, morrendo. Essas pessoas precisaram escolher entre ser acometidas pela Covid-19 ou morrer de fome.

Desde o início da pandemia, ouvimos alguns líderes de partidos de oposição ao governo de Jair Bolsonaro sugerir a formação de uma frente ampla.

Uma frente é uma articulação política que envolve forças próximas, mas não idênticas, ou que têm um mesmo objetivo. No caso, os líderes que propunham esta frente sugeriam que o objetivo seria derrotar o governo federal.

Ocorre que esta discussão envolveu poucos movimentos sociais e muitos partidos. E, nos partidos, envolveu as cúpulas. Portanto, desde o início, a proposta de frente ampla para derrotar o bolsonarismo resvalou num acordo de direções partidárias.

Na mesma época, muitas pastorais, organizações populares e sindicatos buscavam uma outra aliança: a da solidariedade para com quem perdia emprego e renda com o aprofundamento da crise econômica. No Brasil, já vivíamos os primeiros sinais de crise econômica antes da pandemia. Mas, com a pandemia, muita gente que não tinha carteira assinada perdeu renda porque poucos se arriscavam a ter contato presencial. Trabalhadoras e trabalhadores autônomos, do pequeno comércio do bairro aos serviços de embelezamento (manicure, cabeleireiros ou diaristas), entre outros, perderam demanda e, não raro, começaram a passar dificuldades para colocar comida na mesa de casa. Foi aí que apareceram os movimentos e organizações populares para criar uma ampla rede de coleta de alimentos e material de higiene para distribuir nos bairros e regiões mais afetadas pela crise.

Esta iniciativa do campo popular indicava uma outra frente, muito mais ampla e concreta que a que algumas lideranças de partidos políticos pregavam: era uma frente de solidariedade social.

Uma frente de solidariedade social vai muito além da ajuda emergencial. Ela vai até a casa dos(as) trabalhadores(as) e brasileiros(as) que precisam dos(as) brasileiros(as). Precisam perceber que não são estrangeiros em seu próprio país. Precisam ter esperança e força e saber que ao seu lado estamos nós.

Neste momento, temos 12 milhões de desempregados e mais 5 milhões que desistiram de procurar emprego porque não conseguiram nada nos últimos meses e o dinheiro para pegar o transporte público – para procurar emprego – já está ralo. Há, ainda, 7,4 milhões de brasileiros que gostariam de trabalhar mais, mas só conseguem trabalho por algumas horas por dia.

A situação social do Brasil é ainda pior: mais da metade dos brasileiros não conseguem mais garantir alimento todo dia em sua casa. É o que se chama de insegurança alimentar.

Qualquer pessoa que não é rica neste país sabe que a inflação já bate no pescoço. No Brasil, uma cesta básica custa metade do salário-mínimo. Em São Paulo, custa 75% do salário-mínimo. Raras vezes chegamos a uma situação tão desesperadora como agora.

Então, vamos unir os pontos. A frente ampla que precisamos é a dos movimentos sociais e organizações populares. Os partidos políticos são fundamentais, mas precisam voltar ao chão da rua. Precisam estar onde o povo está.

É necessário derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo, entretanto, para suplantar as crises: social, humanitária, política e econômica e tantas outras crises pelas quais nos encontramos. Mas, uma frente ampla que não esteja ancorada em bases sociais, corre o risco de atender a anseios e necessidades muito diversas daquelas sentidas, preconizadas e defendidas pelos movimentos sociais brasileiros. O projeto político vencedor precisa derrotar Bolsonaro e ser capaz de efetivar aquilo que a maioria dos trabalhadores precisam. Já estamos convivendo com mais de 50% de brasileiros que não conseguem garantir para si e para os seus, uma alimentação necessária para ter energia e condições físicas e intelectuais necessárias para realizar atividades básicas de todos os dias. Já nos deparamos com crianças desmaiando em salas de aula, por falta de comida.

Não temos como fazer as mudanças para garantir a dignidade de todos os brasileiros se não tivermos os trabalhadores e brasileiros da base envolvidos nesta mudança. Porque, já sabemos, se elegermos alguém que queremos e se ele não tiver os brasileiros apoiando depois da posse, pouco a pouco será chantageado pelos tubarões da política e das grandes empresas.

Nunca foi diferente na história do Brasil.

E não será diferente em 2023.

Os desafios para enfrentar e superar as crises em que nos encontramos não se restringem à eleição do presidente da República. Além do poder executivo federal, é preciso eleger também os representantes do legislativo que têm seus ideais e história de luta em defesa da classe trabalhadora. É fácil perceber que em um Estado Democrático de Direito, é determinante fortalecer o Poder Legislativo com a maioria dos deputados e senadores que mais se envolvem e defendem políticas públicas para a maioria da população. Daí, mais uma vez, se faz necessário criarmos uma grande rede de movimentos sociais. A verdadeira frente ampla que luta, o tempo inteiro, pela sua própria sobrevivência e que tem condições de transformar este País em uma República minimamente justa e respeitosa com todo o povo brasileiro.

Sobre os autores
Aurélio Ferreira é professor de Filosofia do IFMG. E-mail: aurelio.ferreira@ifmg.edu.br

Rudá Ricci é cientista político e presidente do Instituto Cultiva. E-mail: rudaricci@gmail.com


Imagem de destaque: Galeria de imagens

1 comentário em “A frente ampla que interessa é a de movimentos sociais ”

  1. Pingback: Jornal 353 - Pensar Educação

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *