A exploração econômica da racionalidade humana

Rafael Muller

A racionalidade humana vem sendo explorada por algoritmos, formação de bolhas de conteúdo, tudo a partir de grandes empresas internacionais de propaganda, comunicação e tecnologia da informação. A manipulação da mente humana é uma realidade – muito lucrativa por sinal – que vem determinando o rumo dos países e minando cada vez mais a possibilidade de um futuro profundamente democrático – cunhado a cada dia mais como utópico. A consciência humana, portanto, ganha “valor econômico” na “sociedade da informação”.

As coisas, entretanto, não “têm” ou “não têm” valor econômico por natureza, como pretendem os discursos economicistas. “Tudo é explorável”, dizem. Entretanto, não se trata de um atributo próprio das coisas, segundo uma visão racionalista (que as coisas e as ideias têm ou não têm determinados atributos). Pelo contrário, o valor é dado pela ausência de luta, uma decorrência das contradições de forças sociais, algo contextual.

Discursivamente, a narrativa economicista de que tudo possui valor econômico e que a escassez determina o seu valor parte de premissas que não são absolutamente verdade. Não é a escassez que determina se algo tem ou não valor econômico, mas a explorabilidade. A escassez determina o grau do valor econômico, caso existente.

A explorabilidade diz: há ou não há valor econômico.

A escassez diz – se houver valor econômico – qual o seu montante.

Aquilo que não é explorável, portanto, não possui valor econômico.

E o que não é explorável? Apenas aquilo que é obtido e mantido através da luta.

A literatura ensaística russa do final dos anos 1800 nos revela esse importante pormenor: na Irlanda do final dos anos 1800, a questão agrária fez da terra um bem não-explorável. Os camponeses, através da luta, dominaram a terra e se recusaram a pagar aluguel aos detentores formais da terra. Para a explorarem, os detentores formais precisariam a reconquistar com um exército de policiais (força coercitiva) e, mesmo assim, a terra dominada tinha seu valor reduzido pela constante ameaça de reconquista pelos camponeses, pelas práticas individuais de resistência camponesa que prejudicavam a exploração da terra, etc (KROPOTKIN, 2005).

Todo discurso que propõe a mitigação das lutas, sua deslegitimação e a manutenção da ordem, portanto, é um discurso conservador, em prol da exploração. Por isso os discursos racionalistas se alinhem tão bem com discursos conservadores e neoliberais. Todo apelo à racionalidade e ao realismo, que se presta à manutenção da ordem das coisas, deve ser olhado com olhos suspeitos.

Racionalismo e realismo estão historicamente em alta desde Platão, para quem a arte, com um valor ético muito específico (aristocrático), não deveria ser “banalizada”. As ideias racionais – puras – seriam superiores ao conhecimento empírico – impuro. O realismo – prático – explicaria a realidade, sendo superior ao idealismo – considerado utópico.

Ora, se realismo explica a realidade, quem a modifica? [O idealismo].

Esses elementos, ao longo de todas as “revoluções do pensamento”, não foram alterados historicamente. Trocou-se uma racionalidade por outra. Mas a racionalidade sempre esteve aí, explorável. Podemos então dizer que nunca existiu, no pensamento ocidental, realmente uma revolução cultural. Ela pode ter sido tentada: como nos mostra, por exemplo, os movimentos cético (na filosofia) e anarquista (no político), mas sempre fora desvirtuada pela insurgência de uma proposta burguesa de manutenção dessa ideologia aristocrata-platônica. Um exemplo fora a subversão dos ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade da Revolução Francesa (MORAES; NADAL, 2017) a “Liberdade de Exploração”, “Igualdade como Padronização dos modos de vida”, e “Fraternidade enquanto Assistencialismo e Ordem”.

Se vivemos a distopia (do realismo), a utopia precisa ser a mudança possível (o idealismo). O futuro, para não ser distópico, só pode decorrer de uma revolução que finalmente privilegie a formação idealista e as lutas. Que possamos formar – dentro e fora das escolas – consciências idealistas, não exploráveis, profundamente críticas.

Pois a Crítica é isto: a junção visceral entre teoria e prática, idealismo e realismo, racionalidade e empirismo, quebrando dualismos e dando conta da realidade como é, das realidades como deveria ser e das barreiras e entraves à sua modificação (NOBRE, 2004).

1Rafael Muller é Licenciado em Letras-Português; Analista de Sistemas; Especialista em Ciência Política; Especialista em Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública; Mestre em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local; e Doutorando em Letras – Literaturas de Língua Portuguesa. 

 

Para saber mais: 

KROPOTKIN, Piotr. Palavras de um revoltado. São Paulo: Ícone, 2005. 

MORAES, Luana Aparecida; NADAL, Beatriz Gomes. Educação anarquista: contribuições para a escola e uma educação autêntica. Revista HISTEDBR On-line, v. 17, n. 4, p. 1078–1095, 21 dez. 2017. DOI 10.20396/rho.v17i4.8651241. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8651241. Acesso em: 20 mar. 2020.

NOBRE, Marcos. A Teoria Crítica. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.


Imagem de destaque: Freepik / createvil

 

 

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