Há um sentimento geral de que mudaram as estações e que, sim, muita coisa mudou. O efeito instantâneo e ruidoso das redes sociais, onde todos têm opinião formada sobre tudo, está amplificado. As pessoas se precipitam, apontam erros, excessos e pecados (dos outros, claro!) e, quase sempre, imediatamente, excluem-se.
De tudo isso, o mais inusitado é o medo que se tem, não das armas, mas das ideias. Ou as nossas são fracas demais ou, as do outro, muito poderosas. Devem ser aniquiladas. Tudo ameaça: o discurso, o livro, o filme, a internet, a música, a conversa, a escola ou os amigos. Como impedí-los de circular? Seria o mesmo que impedir o vento de ventar. Vimos tentativas, por vezes abusivas, de silenciar o outro que entre em nosso espaço aéreo. A “minha” visão de mundo é a única com direito à existência e, se possível, candidata a ser universal. Já não basta ter a liberdade de viver, de expressar, de crença, de ir e vir, de voto, entre outros. É preciso impor às instituições e às pessoas em geral, “minha” especial e iluminada forma de expressão política, religiosa, cultural e pessoal. O desejo da volta literal da Inquisição como forma de queimar as pessoas em praça pública é, em última instância, nossa arrogante vontade de ser deus e instalar, já, o tribunal do juízo final. Nós, reles mortais, estamos ávidos pela função de juiz do outro.
Edgar Morin, no seu livro Ética – O método 6, discorre sobre três níveis de compreensão. O primeiro nível é a compreensão objetiva, é o cump-prehendere, tomar em conjunto, comporta a explicação (ex-plicare, sair do implícito, desdobrar). Aqui temos a reunião e articulação dos dados e informações relativos a uma pessoa, um comportamento, uma situação. O segundo é a subjetiva, compreensão de como vive o outro, seus sentimentos, motivações interiores, sofrimentos e desgraças, que despertam em nós a percepção da nossa comunidade humana. O terceiro nível é a compreensão complexa que engloba explicação, compreensão objetiva e subjetiva. Ela não reduz o outro a somente um dos seus traços, dos seus atos, mas tende a tomar em conjunto as diversas determinações ou diversos aspectos da sua pessoa. Tende a inserir nos seus contextos e, nesse sentido, simultaneamente, as fontes culturais, sociais, condições históricas e as fontes psíquicas e individuais dos atos e das ideias de um outro.
Para ilustrar como alcançamos a compreensão complexa, Morin fornece o exemplo do cinema e da literatura. Nestas duas modalidades de arte, somos projetados psiquicamente nos personagens e despertados para a compreensão do outro. As pessoas são descritas no contexto de suas vidas, englobando a sua subjetividade e o seu sentimento. Somos capazes de “compreender e amar o vagabundo Carlito, que desprezamos ao encontrar na rua”.
O medo que nos leva a enxergar monstros rivais na face dos outros, é a incompreensão que este outro “obedece a um código diferente do nosso”. Muitos dizem que vivemos “tempos sombrios” e de retrocessos. Talvez nos falte a ética da compreensão, que não significa justificar, querer ser politicamente correto, fraqueza ou abdicação de nossas ideias. Pode-se compreender o adversário e combatê-lo ao mesmo tempo, afirma Morin, que aposta na eficiência da estratégia. No conflito de ideias nos é exigido argumentar, refutar. Isto nos mantém vivos, operantes. As ideias que mais nos desafiam e interpelam são aquelas com potencial de nos fazer crescer. Eliminá-las, pelo simples desprezo, empobrece a vida ao mesmo tempo que sinaliza para nossa própria fraqueza.
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