Marlos Bezerra de Mello
O atual cenário político brasileiro me fez pensar essa semana em Lorenz von Stein, o historiador alemão que viveu no século 19 e que acreditava ser possível prever o futuro, mas não cada fato em detalhes. A obra de Stein demonstra que ele colocava em evidência somente aquilo que lhe assegurava o máximo de probabilidades nas predições. Assim, seu objetivo era o de abrir os olhos para a futura realidade histórica, isto é, não para os momentos precisos e as formas constitucionais dos acontecimentos, mas sim para os obstáculos e os níveis de urgências que se fariam sentir nas decisões futuras.
Nessa semana em que a esfera pública brasileira está totalmente voltada para o impedimento, ou não, do governo da Presidente Dilma, eu gostaria que antes de qualquer decisão fosse realizada uma leitura como a de Stein, ou seja, na mesma lógica de se pensar o passado e o presente procurando enxergar os obstáculos que virão no futuro.
Com efeito, o Brasil já foi chamado de “país do futuro”. Tal expressão otimista, que poderia servir de slogan para qualquer governo, fazia parte do título de um livro publicado em 1941 pelo austríaco Stefan Zweign que queria mostrar aos estrangeiros e aos próprios brasileiros uma versão romanceada, esvaziada de compromisso histórico com a verdade, da nação sul-americana colonizada pelos portugueses. Na sua obra, Zweing apontava para a beleza do país governado por Getúlio Vargas desde 1930, pois, segundo o autor, mesmo entre os miseráveis e os pobres da população havia certa felicidade. Para Zweing, que estava a passeio pelo país, o Brasil simbolizava o futuro porque mesmo sob uma ditadura havia um “espírito de conciliação entre a população”, e esse é que mantinha a unidade da nação e deveria ser ensinado e praticado nas escolas.
A ditadura Vargas passou e os militares também deixaram os centros dos poderes executivo, legislativo e judiciário. A democracia no Brasil foi instalada com grande expectativa para a população, pois nas sombras do autoritarismo sempre pairou uma esperança de que quando as eleições gerais e diretas fossem retomadas a nação quase que automaticamente se transformaria em um país culto, livre, sem desigualdades etc., mas mesmo depois de quase 30 anos de governos eleitos pelo voto individual os avanços ficaram muito aquém das expectativas, principalmente na questão da política.
Ocorre que, depois das ditaduras, quando a população brasileira poderia e deveria interferir na direção do país, aconteceu uma espécie de privatização da política. Explico: a ditadura “devolveu” o poder ao povo, mas os legisladores a tomaram para si por meio de liberações como os financiamentos públicos partidários, os patrocínios empresariais para as campanhas eleitorais, as emendas parlamentares, as medidas de comprometimento com a concentração das grandes fortunas, com a desigualdade social e, principalmente, com a imposição dos assistencialismos governamentais segregadores.
A teoria histórica de Stein pode ajudar a pensar a educação e o Brasil no momento em que se observa no país a articulação que existe entre a concentração das grandes fortunas e as respectivas estruturas sociais correspondentes, pois todo aparato que ordena a riqueza de uma sociedade tende historicamente a se apropriar da Constituição do Estado, transformando-a, a fim de utilizá-la como instrumento para perpetuação da própria dominação. Trata-se de um fato que pode ser visto em qualquer lugar do mundo.
O historiador Lorenz von Stein, do século 19, arriscou proposições que podem ainda ser assistidas por nós nos dias de hoje, pois observando a política e, principalmente a democracia da sua época foi capaz de afirmar: os despossuídos teriam apenas uma chance muito pequena de chegar ao poder, e, caso bem-sucedidos, isso não lhes asseguraria a liberdade. É a leitura que eu faço do Brasil no atual cenário político, pois, aparentemente, a “esquerda” sempre marchou para o lado direito, mas a “direita” nunca marchou para o lado esquerdo, mesmo que por um período uma se beneficiou da outra.