A EJA e o tempo das árvores – continuação

Pedro Lobato*

Cada participante escreveu suas história sem casa, sozinho, mas, quando juntamos as histórias nesta espécie de colcha, elas começaram a conversar. Uma jovem negra, uma artista que contribuiu também com ilustrações para o livro, a Estefane, escreveu:

Onde moro, havia um pé de acerola que minha vizinha plantou. Ela regava, cuidava, mas nada adiantava, até que um dia ela recebeu a notícia de que estava grávida e o pezinho, que não crescia, foi deixado de lado. Após o nascimento da criança, todos estavam felizes e alegres, mas algo estava porvir.
Na manhã seguinte, Carla faleceu, deixando seu bebê e outros três filhos. E naquele mesmo dia o pé que não crescia passou a crescer; e até hoje naquele mesmo lugar floresce e dá frutos e a cada safra lembramos de Carla.
Eu acredito que nada é por acaso e que o tempo cura tudo, então, ama enquanto você tem, cuide enquanto você pode, porque só a morte não tem volta.

Como nas histórias tudo vem em três, ouçamos Emilly, outra jovem guerreira, de beleza cabocla.

É um quintal que na frente é de terra e tem um pasto pra minha égua e pro cavalo do meu irmão, cercado de palete e um galinheiro, do lado tem duas baias. A parte de trás do meu quintal é tudo cimentado, tem um tanque, um armário com as rações dos cavalos, galinhas, porco e cachorro. Tem também um chiqueiro e algumas plantas, tem um pé de mamão que tem uma história da minha vida. Eu e minha mãe morávamos sozinhas, sem meus irmãos. Porque sem meus irmãos? Porque todos os meus irmãos tinham ido embora, porque minha mãe estava com depressão e dava algumas crises. Aí nesta época minha mãe plantou esse pé de mamão, mas nunca nascia. Aí, depois que minha mãe se internou, e batizou na igreja, o pé de mamão começou a crescer como nunca e ficou muito bonito.
E hoje em dia minha família está toda junta novamente, graças a Deus; eu tenho no meu coração que, enquanto esse pé de mamão estiver lá, minha mãe vai ter muita vida.

A relação entre nós e as árvores! A poesia simples e verdadeira dos educandos nos inebria e é verdadeira porta de entrada para altos vôos literários e linguísticos, que ficaram por se fazer, pois a pandemia interrompeu nossos trabalhos, por enquanto. Este tema das árvores é apenas um dos muitos fios que se entrelaçam nas nossas narrativas. Muitas possibilidades de criarmos pontes entre nossa realidade, nossas vivências e memórias, em nosso humilde território, e os grandes temas das artes, da literatura e da espiritualidade humanas.

Para quem gosta de ouvir e contar histórias, a Educação de Jovens e Adultos é um tesouro de oportunidades. Que esta modalidade de ensino possa resistir a esta onda de padronização e burocratização que ronda esse projeto de educação que se diz voltado para o mercado, pois, nós, os sujeitos da EJA, não somos folhas em branco, ansiosos por receber os magníficos saberes tecnicistas que o mercado nos quer oferecer, embora desejemos também dominá-los. Porém, somos livros que começaram a ser escritos, há muitos e muitos anos, por vezes, em outros continentes, e temos voz ativa nas nossas histórias. Que o conhecimento escolar saiba dar as mãos à sabedoria que vive nos corpos e corações do nosso povo, sabedoria teimosa que está inscrita em cada bem material e imaterial que surge das mãos dos trabalhadores do Brasil.

*Artista popular e professor de língua portuguesa. Mora e trabalha, como professor efetivo na rede estadual, na cidade de Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte. Pesquisa as relações entre a EJA e a cultura popular, mestrando na FAE/UFMG. Publica seus trabalhos no site cipoesia.com.

Confira a primeira parte desse texto.


Imagem de destaque: Robert Katzki / Unsplash

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