No último artigo que publicamos na Série: Pensar a educação na China, Pensar o nosso Tempo, trouxemos a recordação do ano de 2006, quando o então vice-presidente José Alencar visitou a China e se emocionou ao falar do que viu naquele país em relação ao seu sistema educacional. Ao longo do texto demarcamos a falta de interesse da mídia brasileira, naquele contexto, de discutir pormenorizadamente sobre a questão educacional chinesa. Em nossa conclusão apresentamos o ano de 2012 como um novo marco. Quase seis anos mais tarde a educação chinesa volta à pauta da grande mídia brasileira, no entanto despertando uma atenção bem maior. Em quais circunstâncias isso se deu?
Como já dissemos em textos anteriores, o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), que avalia alunos de 15 anos ao redor do mundo no intuito de construção de um ranking internacional, em sua edição de 2012 apontou a China como a grande líder em notas, confirmando o primeiro lugar alcançado por Shangai na edição de 2009. Nas vésperas do PISA 2012 a Veja, grupo brasileiro de comunicação assumidamente alinhado com as propostas neoliberais, envia um correspondente para visitar escolas e fazer um apanhado da situação educacional chinesa naquele momento.
Ao invés de enviarem um correspondente com formação na área educacional, escolhem, como já tem sido tradição na grande mídia brasileira desde pelo menos finais da década de 60 do século XX, alguém da área de economia para falar de educação. O jovem economista Gustavo Ioschpe foi o designado para a tarefa. Durante os últimos quinze dias de dezembro de 2011 o repórter contou em 5 longos capítulos sobre suas visitas às escolas chinesas como enviado.
O título e a chamada do primeiro capítulo de sua saga, publicados no portal Veja.com em 17/12/2011, já nos dizem bastante de como a grande mídia brasileira tem pautado os assuntos educacionais, inclusive para se falar da China: “Brasil deveria aprender com a China o valor do sistema baseado no mérito. Gustavo Ioschpe conta em cinco capítulos como funciona o sistema educacional que fez do país uma potência. No domingo, o autor mostra o que o Brasil pode copiar da China”. Para finalizar, o seguinte comentário é acrescentado abaixo da imagem que abre o artigo: “O mérito é o que conta. A China testa com rigor seus estudantes e premia com alvoroço os melhores”.
Em poder da Veja, o sucesso chinês no PISA, se torna, assim, um mero pretexto para propagandear valores da livre concorrência de mercado como modelos para o contexto educacional, retirando daquele país todo o seu legado cultural que poderia oferecer alguma alteridade em relação a esses valores bem conhecidos do mundo ocidental. Em suma, a educação chinesa só se torna interessante no momento em que reafirma valores fundamentais do capitalismo ocidental, quando ela se torna espelho.
Como desfecho dessa história, revelando o impacto desses artigos perante o público, Gustavo Ioschpe se torna a partir dali uma referência da Veja para a discussão de assuntos educacionais sendo frequentemente convidado por outras agências de notícias para debater o tema. Sua jornada na China consolida sua carreira de jornalista educacional, referendada pela publicação de seu livro de 250 páginas naquele mesmo ano de 2012: O que o Brasil Quer Ser Quando Crescer? E outros artigos sobre educação e desenvolvimento, publicado pela Editora Paralela. Segundo o olhar de economista, pretensiosamente promete em seu livro: “derrubar doze mitos da educação brasileira”. Engrossa, assim, a fileira dos economistas que projetam no espaço público seus discursos particulares sobre educação.