A Aurora e o Crepúsculo: Educação Rural na perspectiva de Sud Mennucci – Henrique de Oliveira Fonseca

A Aurora e o Crepúsculo: Educação Rural na perspectiva de Sud Mennucci

Henrique de Oliveira Fonseca

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Ao longo da história, a zona rural brasileira sofreu gradativamente um escoamento demográfico para os centros urbanos.  Segundo dados do IBGE, no começo do século passado, aproximadamente 80% dos brasileiros habitavam o campo, mas com o passar dos anos este cenário se inverteu e nas décadas seguintes a cidade transformou-se no éden – nem sempre paradisíaco – de nossas moradias. Atualmente, dos quase 200 milhões de brasileiros, apenas 16 % vivem no campo. Essa alteração no panorama populacional brasileiro constata que as políticas nacionais em prol da divisão de terras, do assentamento do campesinato e do incentivo à produção das pequenas propriedades agrícolas obviamente falharam. Essa verificação despertou em mim aquela pulga que reside nas orelhas dos historiadores e nos estimula a questionar à tudo e à todos, assim, surgiram algumas indagações como: Quais os motivos que levaram a essa alteração demográfica? Houve no passado ações políticas que buscavam uma manutenção no campo? Quais meios de intervenção foram utilizados em defesa do meio rural? Levado por essas questões, comecei a estudar sujeitos que no passado procuraram conter  os avanços da urbanização.   Nessas andanças encontrei a figura do paulista Sud Mennucci (1892-1948), um indivíduo que, durante sua vida, defendeu um projeto educacional voltado para o meio rural. Meus estudos debruçaram-se na retomada de algumas propostas desse sujeito e, a partir dessa pesquisa, pude recentemente defender na Universidade Federal de Minas Gerais, uma dissertação intitulada de: “Em Defesa da Ruralização do Ensino: Sud Mennucci e o debate político e educacional entre 1920 e 1930”.

Sud Mennucci viveu em um período de fértil debate educacional, pois foram nas primeiras décadas do século XX que surgiram, no cenário político brasileiro, o conhecido movimento da Escola Nova que apresentava novas proposições pedagógicas. Assim, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Anísio Teixeira e outros intelectuais ganharam projeção pública e se apresentaram como representantes de uma nova concepção para a instrução nacional. Mas é importante ressaltar que essa renovação pedagógica não era uma exclusividade brasileira, pelo contrário, foi na Europa e nos Estado Unidos, em finais do século XIX e começo do XX, que esse movimento se iniciou. Diversos intelectuais destacaram-se no cenário ocidental e apontavam novos caminhos para a educação, se apoiando nas concepções mais atualizadas da psicologia e biologia, tendo como pano de fundo uma agregação das proposições científicas do período.  

Sud Mennucci, no entanto, sustentava uma vertente distinta, denominada de ruralização do ensino ou ruralismo pedagógico, na qual argumentava que as ideias da Escola Nova eram inadequadas ao Brasil, pois aqui convivíamos em uma realidade social e econômica embasada na agricultura, ao passo que na Europa e nos Estados Unidos, o meio urbano era o ponto de partida das reflexões sociais e, concomitantemente, educacionais.

O urbanismo em ascensão era o mal a ser combatido, Mennucci apontava para uma alma nacional eminentemente agrícola e a expansão citadina significaria o fim da nossa essência social. Por isso, defendia uma educação voltada para o meio rural como forma de ampliar a atuação do Estado no que tange a disseminação de conhecimentos práticos para os campesinos, como também de fixá-los no campo, impedindo a fuga para a cidade.

Dessa maneira, Sud Mennucci nas suas três passagens pela Direção Geral da Instrução Pública em São Paulo (1931-1932; 1933; 1943-1945) encabeçou três projetos educacionais: as Escolas Normais Rurais – com objetivo de formar professores adequadamente para o campo; Escolas Rurais – escolas fixadas no meio rural e com um currículo diferenciado; e os Clubes Agrícolas Escolares – instituições anexas às escolas que colaboravam com a disseminação de cultura rural em diversas escolas, inclusive nas instituições situadas na cidade. No entanto, Mennucci não alcançou grande êxito no seu próprio Estado, tanto que a primeira Escola Normal Rural foi fundada na cidade de Juazeiro do Norte, no Ceará, em 1934. Na formatura da primeira turma de normalistas rurais, Mennucci foi convidado a proferir a palestra de conclusão do curso em homenagem às novas professoras. Na ocasião, apontou que o projeto de ruralização da educação estava posto em prática e que esse movimento tinha tamanha força que poderia alterar o rumo da civilização.

Escolas Normais Rurais – com objetivo de formar professores adequadamente para o campo; Escolas Rurais – escolas fixadas no meio rural e com um currículo diferenciado; e os Clubes Agrícolas Escolares – instituições anexas às escolas que colaboravam com a disseminação de cultura rural em diversas escolas, inclusive nas instituições situadas na cidade.

Mas as forças com as quais os projetos educacionais tinham que se relacionar eram variadas, além da luta contra o urbanismo, o ruralismo pedagógico também encontrava discordâncias no próprio setor rural. Vale lembrar que o cenário agrícola do começo do século XX era dominado pelos grandes proprietários de cafezais. Essa elite, com o fim da escravidão, apoiou a imigração de mão de obra estrangeira como forma de suprir a lacuna deixada pelo fim do trabalho servil. O grupo em que Mennucci se inseriu era contrário ao posicionamento dessa elite agrária e se colocava a favor da formação de mão de obra nacional, da distribuição de terras e contrário às monoculturas. Tinham como ideal a revalorização do trabalho no campo, que tornou-se sinônimo de uma desqualificação social no período da escravidão.

Sud Mennucci procurou em suas propostas educacionais reverter esse cenário e construir um Brasil que fosse rural e que dessa forma entrasse em concordância com sua essência. Contudo, o século XX, mostrou que a força da urbanização era mais contundente do que a imaginada por Mennucci. As cidades se expandiram e o campo foi tornando-se o local da lembrança de uma realidade bucólica. As músicas sertanejas apontam para essa mudança cultural, exemplo é a música Luar do Sertão composta por Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco em 1914, que trata da saudade do caboclo que mudou-se para a cidade e sente a falta do campo.

A realidade brasileira se transformou profundamente desde então, a cultura citadina tornou-se tão predominante em nossas vidas que até a atual música sertaneja universitária vem se desvinculando dos antigos temas e das antigas sonoridades, para se apresentar cada vez mais urbana, em que a distância e ausência do campo não são mais encaradas como assuntos a serem relatados. Sud Mennucci propôs no passado uma possibilidade distinta para esse futuro, mas por conta das contingências da história seu projeto não foi efetuado.

A educação rural ainda é uma realidade, principalmente em zonas distantes ou em assentamentos, mas sem a crença de que  o rumo da civilização será alterado. Hoje, contrariando ao futuro imaginado por Mennucci, somo urbanos, a cidade subjugou o campo no Brasil. Contudo, mesmo sendo uma porcentagem pequena de brasileiros, alguns milhões ainda habitam o campo e essas proposições educativas do passado, valem como reflexão e possibilidade de encarar novos projetos que possibilitem uma melhor vivência no meio rural.

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