Os cem anos da Semana de 22 – parte I

Alexandre Azevedo

Há cem anos era realizado, nas dependências do Teatro Municipal de São Paulo, com os seus ainda onze anos de vida, o último grande evento artístico-cultural de caráter transformador. Com o objetivo de criar uma arte nova e independente, artistas de diferentes áreas, como escritores (Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Tácito de Almeida, Raul Bopp, Ronald Carvalho, Renato de Almeida, Álvaro Moreira, Guilherme de Almeida, Graça Aranha, Luís Aranha, Plínio Salgado, Sérgio Milliet, Paulo Prado, Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia, Agenor Barbosa e Ribeiro Couto), pintores e desenhistas (Anita Malfatti, Vicente do Rego Monteiro, Di Cavalcanti, John Graz, Zina Aita, Ferrignac, Yan de Almeida Prado, Alberto Martins Ribeiro, Oswaldo Goeldi e Lasar Segall), músicos (Guiomar Novaes, Heitor Villa-Lobos, Frutuoso Viana e Ernani Braga), arquitetos (Antônio Moya e Georg Przyrembel) e escultores (Victor Brecheret, Hildegardo Leão Velloso e Wilhelm Haarberg) apresentaram as suas ideias e artes para um público ainda muito preso ao academicismo. Até mesmo a arte circense, com o seu grande palhaço Piolin (Abelardo Pinto), serviu de inspiração para os artistas da Semana que, segundo Mário e Oswald de Andrade, Piolin era o símbolo de nossa brasilidade (em 1929, para fortalecer ainda mais os ideais modernistas, um almoço foi oferecido a Piolin, por Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, na época ainda o casal Tarsiwald, no mais badalado restaurante da cidade de São Paulo, o Mappin Store. Esse almoço ficou conhecido como “festim antropofágico”, cujo prato principal a ser servido era o próprio Piolin e, ao “comê-lo”, receberem dele todas as suas qualidades nativas, como faziam os índios antropófagos que comiam os seus guerreiros inimigos, recebendo deles a sua força). Coincidindo com o aniversário de cem anos da independência do Brasil, esses artistas deixaram no ar a seguinte pergunta: o Brasil é mesmo independente?

Mas para tratar da Semana de Arte Moderna é preciso retornar dez anos antes no tempo. Em 1912, o jovem Oswald de Andrade (ainda com os seus 22 anos de idade), pertencente a uma rica e tradicional família, viajou à Europa a fim de conhecer as ideias vanguardistas que agitavam os cafés, confeitarias, salões, cassinos e galerias de arte das capitais europeias, cuja intenção era combater todo e qualquer tipo de arte acadêmica. Em Paris, quartel-general das vanguardas europeias, Oswald de Andrade conheceu o poeta italiano (egípcio de nascimento), Felippo Marinetti, idealizador do Futurismo, vanguarda cujo objetivo era romper definitivamente com a arte (ultra)passada, voltando-a para o avanço tecnológico, para as máquinas e as suas engrenagens, para os motores e toda a sua velocidade. De volta a São Paulo, que por essa época passava por uma grande transformação, deixando de ser uma pacata e provinciana cidade (vale lembrar aqui que São Paulo da primeira metade do século XIX não passava de 35 mil habitantes) para se tornar uma metrópole “desvairada” (termo cunhado por Mário de Andrade ao referir-se à sua cidade natal), para nela divulgar as ideias futuristas de Marinetti. Alguns anos mais tarde, o poeta de “Pau-Brasil” viria a conhecer o seu xará de sobrenome, Mário de Andrade, o então professor de música do conservatório dramático e musical de São Paulo, homem de um vasto conhecimento e um profundo estudioso de nosso folclore. Ao ler alguns de seus poemas, pertencentes aos originais ainda engavetados de “Pauliceia Desvairada”, que seria lançado justamente no ano de 1922, Oswald de Andrade publicaria um artigo no jornal do Commercio com o título sugestivo de “O meu poeta futurista”, apresentando-o aos leitores da época. Apesar de não aceitar com bom grado a denominação de futurista, Mário de Andrade também engajou-se na divulgação do movimento e São Paulo, com os sons das “klaxons” dos automóveis em velocidade  e dos apitos de fábricas apressando os operários nas ruas, começava, a partir daí, a se tornar também, além de um centro vanguardista, um centro de cultura, como seus artistas em ascensão e os ricos patrocinadores da arte, como a mecenas Olívia Guedes Penteado, que, um ano depois da Semana de Arte Moderna, criou o Salão de Arte Moderna, expondo dentre outras, as esculturas de Victor Brecheret, artista ítalo-brasileiro, que, segundo os idealizadores da Semana, foi uma das peças-chave do evento, com doze esculturas expostas no saguão do Teatro Municipal de São Paulo.

(Continua na próxima semana…)


Imagem de destaque: Galeria de imagens

1 comentário em “Os cem anos da Semana de 22 – parte I”

  1. Pingback: Jornal 363 - Pensar Educação

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *