Aprendi, ainda, que nunca é tarde para realizar sonhos!

Debora Paula Bordin

Em uma pequena cidade do Oeste catarinense, chamada Campos Novos, no dia 29 de dezembro do ano de 1972, começava minha história. A primeira filha de um casal jovem, sem muitos recursos financeiros e experiências de vida. Hoje, aos 48 anos de idade, recordo-me com mais discernimento da minha infância a partir dos seis anos. Com essa faixa etária, morávamos em outro município, também do interior de Santa Catarina, chamado Tangará e nesse período já existia uma irmãzinha, com uma diferença de aproximadamente dois anos de idade.

Certo dia, percebi uma movimentação diferente: minha mãe estava passando roupa de forma impecável. Era um determinado traje composto por uma saia de pregas e uma camisa branca; próximo estava um par de meias brancas de cano longo até a altura dos joelhos e um par de calçados, na época conhecido pelo nome de conga. O traje era o meu uniforme da escola. Acompanhada pela minha mãe e pela minha irmãzinha, fui levada à escola, colocada numa fila, que separava os meninos das meninas e, ao longe, avistava minha mãe com olhos lacrimejados. Neste dia conheci a professora Maria Pasetto, mulher dócil e extremamente acolhedora. Com ela aprendi as letras  e os números e, nesta fase, conheci pessoas que até hoje tenho contato e que guardo grande carinho e lembranças maravilhosas, são parte da minha infância.

Com aproximadamente nove anos, lembro que meus pais resolveram adotar uma criança, a terceira filha, minha segunda irmã. No mesmo ano minha mãe descobriu que estava grávida. A família cresceu abruptamente e as despesas também. Com isso, e através de novas oportunidades de trabalho para meu pai, mudamos de cidade. Saindo da infância, entrando na adolescência, muitas novidades, descobertas e adaptações tomaram conta dessa fase e, para completar, meus pais designaram certas incumbências e responsabilidades para mim. O filme “Pequenas Flores Vermelhas” (Yuan, Zhang, 2007) me remete muito a esse período da minha vida, pois as dificuldades de adaptação na escola me trouxeram algumas punições, principalmente por não concluir todas as tarefas designadas, não realizar caligrafia impecável todas as vezes ou quando, por descuido, as bordas das folhas do caderno amassavam, formando as tão conhecidas “orelhas de burro”. Muitas vezes me entristeci e chorei por ouvir comparações de que outras crianças eram mais inteligentes e dedicadas que eu. Levei anos para entender que não era verdade, que também posso e sou capaz de aprender.

Para meus pais a escola era essencial, mas não primordial. Mesmo com pouco estudo, meu pai sempre conseguiu manter as despesas da família. Porém, um fato inesperado aconteceu: minha mãe engravidou novamente. O minúsculo bebê que nasceu, mais uma menina, que veio para completar nossa família composta por cinco filhas, teve complicações e problemas de saúde desde o parto e durante todo o primeiro ano de vida. Minha mãe passou a ficar muito tempo fora de casa, devido às internações em outra cidade.

Com aproximadamente quatorze anos, todos os afazeres domésticos e o cuidado das minhas irmãs menores era de minha competência, além de trabalhar fora para ajudar nas despesas financeiras e estudar à noite para concluir o ensino médio. Infelizmente esta situação se tornou um fardo muito pesado, e optei por desistir dos estudos, até a situação com a minha família amenizar e minha mãe se fazer presente novamente. Todo o salário que eu recebia no trabalho era entregue aos meus pais para ajudar nas despesas do lar. Dois anos se passaram e pude retomar os estudos para concluir o ensino médio.

Retornei no mesmo período escolar que a minha irmã estava cursando. Não era fácil trabalhar durante o dia e estudar à noite, mas conseguimos concluir o ensino médio, mesmo com todas as dificuldades e exaustão. Na época chamava-se “segundo grau técnico em contabilidade”; a vida ainda era difícil, o curso era mais voltado para cálculo matemático, e me proporcionava algumas dificuldades em determinadas matérias. Minha irmã tinha mais facilidade com essas tarefas, e tivemos a “brilhante” ideia de inverter os nomes em uma das provas de Física, já que minha média não estava das melhores: eu fiz a prova e assinei o nome dela, e ela da mesma forma realizou os exercícios e assinou meu nome.

O professor caracterizou como fraude, e não como um trabalho em equipe de irmãs que se amavam e estavam dispostas a se ajudar em qualquer dificuldade. Nossas provas foram anuladas, e por consequência minha irmã e eu ficamos em recuperação. A atitude deste professor nos proporcionou uma lição tão grande, que até os dias atuais, somos gratas a ele. A terrível possibilidade de reprovar nos fez perceber que, sem esforço e dedicação, nada seria possível. Indiferente às dificuldades enfrentadas, é necessário se doar, com disciplina e comprometimento para alcançar os objetivos idealizados. Minha irmã e eu nos dedicamos aos estudos e conseguimos nota suficiente para concluir aquela matéria que até então estava sendo um dos meus piores pesadelos.

De modo similar à lição aprendida na ocasião da troca de provas com minha irmã, no último ano do Ensino Médio tive mais uma lição: o professor que lecionava a matéria de direito, conhecido pelo apelido de “Vampiro”, considerou meus esforços para permanecer estudando e concedeu-me dois décimos faltantes em minha média final. Sem esta ajuda, eu teria reprovado e talvez desistido dos estudos, e assim conclui o então “segundo grau”.

O trabalho e os estudos continuavam concomitantemente, e na maioria das empresas que prestei trabalho, consegui destaque, promoções, e oportunidades para exercer funções como gerente e supervisora de equipe. Casei-me aos vinte e quatro anos e, aos vinte e nove, fui agraciada com o nascimento do meu primeiro e único filho. Mesmo casada e com filho, permaneci sempre trabalhando efetivamente para ajudar meu marido a manter as despesas da família, construída por nós. Uma família bem menor que a dos meus pais, mas com dificuldades, medos e incertezas como qualquer outra família.

Em 2004, em busca de melhores oportunidades de trabalho, meu marido e eu optamos por morar em Balneário Camboriú/SC. O processo de adaptação foi um pouco mais lento, considerando que entre o casal havia um bebê de aproximadamente dois anos. A vida seguiu seu percurso, o pouco estudo que tive me proporcionou ser aprovada num concurso público municipal, me trazendo estabilidade e mais conforto. Embora o desejo de voltar aos estudos estivesse em meus pensamentos, as prioridades se fizeram presente em outros quesitos.

Busquei manter-me no trabalho e dedicar a maior parte da atenção e tempo livre ao meu único filho. Chegar em casa e ler uma história para ele era rotineiro e gratificante, porém as leituras começaram a se tornar mais intensas e ele passou a ser mais exigente e minucioso nos detalhes. Esse entusiasmo dele pela leitura despertou em mim a vontade de ensinar. Paciente e orgulhosamente alfabetizei meu filho aos cinco anos de idade. Este ato me trouxe uma pequena “dor de cabeça”, pois ao matricular meu filho na escola aos seis anos, tivemos alguns percalços: ele era o único menino da sala alfabetizado e atrapalhava o desempenho das outras crianças por estar “adiantado”. As professoras não gostaram muito da minha benfeitoria, e fui chamada a atenção, embora não tivesse como voltar atrás. Orgulho-me do filho que criei, alfabetizei e eduquei. Atualmente meu filho foi aprovado com ótima qualificação na Universidade de São Paulo (USP), para cursar Física. O orgulho, a euforia e a alegria desta conquista me trouxeram também certo desconforto e síndrome do ninho vazio.

Decidi que o momento seria propício para focar nos meus sonhos e objetivos. Corajosamente me candidatei a ocupar uma vaga no curso de Licenciatura em Pedagogia no Instituto Federal Catarinense, pois meu filho cursou o ensino médio nesta instituição, e me trouxe boas experiências de estadia e de aprendizado.

Quando aprovada na sexta chamada, a alegria e a emoção me dominaram. Sei que terei grandes desafios: retomar os estudos após trinta anos afastada da rotina escolar não será tarefa fácil, considerando que, neste período, normas que eu desconhecia entraram em vigor, houve mudanças na gramática, além de muitas melhorias e conquistas adquiridas na área da educação. Não sei como será o percurso: o que posso garantir é que será conduzido com muito carinho, dedicação e esperança de um futuro melhor. Descobri que não existe certo ou errado, cedo ou tarde, que as coisas acontecem quando devem acontecer e que a escola foi de suma importância na minha vida, não apenas pela alfabetização, mas porque através dela aprendi ser sociável, cumprir deveres e seguir rotinas. Aprendi, ainda, que nunca é tarde para realizar sonhos!

 

Sobre a autora
Estudante do curso de Licenciatura em Pedagogia do Instituto Federal Catarinense – campus Camboriú. Uma versão preliminar deste texto foi escrita como atividade avaliativa da disciplina História da Educação, do curso de Licenciatura em Pedagogia do Instituto Federal Catarinense – campus Camboriú, ministrada pela Profa. Dra. Marilândes Mól Ribeiro de Melo


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