Direito de que mesmo? 32 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente

Aline R. Gomes
Babita Faria
Mariana Borchio

Perguntamos: O que é saúde? O que é o direito à saúde para você? Clara (5 anos): Saúde pra mim é uma pessoa forte, saudável, uma pessoa que é boa, gentil, isso que é saúde, que é educada, obediente, isso que eu acho que é saúde. O direito à saúde pra mim é direito de ser cuidado para ter uma boa vida. 

Esse é o terceiro ano consecutivo que representantes do Coletivo Geral Infâncias escrevem neste canal no mês de julho, com o objetivo de chamar a atenção para a pauta dos direitos das crianças e dos adolescentes, especificamente em comemoração ao aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Para além da data comemorativa do dia 13 de julho, nossos escritos vêm recorrentemente tematizando o presente que se faz urgente: um cenário desafiador, de transformações e violações acerca dos direitos das crianças.

Para comemorar a data, não poderíamos deixar de lembrar do evento “30 anos do ECA – Entre a Ficção e a Ação”, realizado em agosto de 2020 e construído coletivamente por iniciativa dos estudantes da linha de Pesquisa “Infância e Educação Infantil” (FaE/UFMG), integrantes do Coletivo Geral Infâncias e docentes do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Infância e Educação Infantil (NEPEI/UFMG).

O texto-resumo do evento intitulado “Resistências e utopias: memória do Seminário 30 anos do ECA: entre ficção e a ação” foi publicado aqui na seção “Infâncias em Pauta” em agosto de 2020, e foi escrito pelos colegas Rúbia Camilo, Fábio Accardo de Freitas, Juliana Daher e Luciana Bizzotto. Neste texto, comentamos momentos marcantes do evento, tais como a participação do professor Rodrigo Ednilson (UFMG), ao abordar a relação “Infância e Racismo”: “Rodrigo escancara a dura realidade das crianças e adolescentes negras brasileiras, denunciando o racismo estrutural que silencia e nega a existência de um genocídio. Ao questionar o lugar da infância e adolescência negra e pobre majoritariamente retratada no seu cotidiano pela ótica da vulnerabilidade, o professor nos convida a ouvir e repensar nossas relações com esses sujeitos para os compreender não a partir da falta, mas do que deles transborda.”

As discussões do Seminário permanecem bastante atualizadas, em estreita conexão com as realidades das infâncias brasileiras, que cada vez mais são marcadas pela condição da pobreza e da extrema pobreza. Notadamente  a partir do contexto pandêmico de COVID-19, percebemos  que os direitos previstos na legislação brasileira permanecem inalcançáveis pela grande parte da população infantil.

Analisemos o dossiê “Infâncias e COVID-19: os impactos da gestão da pandemia sobre crianças e adolescentes, de autoria do Instituto Alana, que apresenta diversas informações de pesquisas realizadas de março de 2020 à setembro de 2021. Esse é um excelente material para reflexão sobre o presente e o futuro.  Conforme os autores(as) do dossiê, as ”implicações da Covid-19 na saúde de crianças e adolescentes impactam muito além da saúde física e da contaminação pelo vírus, atingindo o acesso a serviços de saúde e, inclusive, a proteção contra outras doenças, oferecendo ameaças de estagnação e de reversão dos avanços recentes alcançados para a saúde e vida de crianças e adolescentes.”

A “boa vida” anunciada por Clara ao responder o que é direito à saúde, no primeiro trecho do nosso texto, revela o quanto as crianças sabem da importância de ter saúde para além da ausência de doenças. O referido dossiê cita os impactos deste período pandêmico na saúde mental, na violência doméstica, na insegurança alimentar, no tempo abusivo de telas, na exposição das crianças à publicidade infantil e outras práticas comerciais abusivas. Há dados confirmando a redução do tempo de brincar ao ar livre, o agravamento das desigualdades, a evasão escolar, dentre outros.

Podemos verificar que muito já se sabe sobre a ausência de acesso à direitos presentes na vida das crianças e adolescentes. Contudo, é evidente a negligência do poder público em mudar esse cenário. Por isso, é de extrema importância a construção de práticas coletivas sensíveis às vozes e vezes das crianças, para que elas efetivamente possam participar e dizer das suas necessidades. Nosso coletivo e outros movimentos vêm crescendo aqui em BH a partir da defesa desses direitos, tais como: BH pela Infância, Mães pró Vacina, Força Tarefa Reabertura Segura e Respeitosa, Professores na Pandemia, Fórum de Educação Infantil, Frentes, etc.

Por isso, convocamos toda a sociedade à olhar e ouvir as crianças, que muito tem a nos ensinar. De fato, precisamos que toda a população se mobilize em prol daqueles que representam o futuro, mas também o presente do nosso país, afinal, como bem nos lembra Aylton Krenak: “Perguntar para uma criança o que ela quer ser quando crescer é uma ofensa. Como se ela fosse receber o crachá de “ser” quando adulta. Isso é apagar o que ela já é.

 

Sobre as autoras
Aline R. Gomes é professora de Educação Física da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte, Doutora em Educação e uma das fundadoras do Coletivo Geral Infâncias. E-mail: alineinfancia@gmail.com

Babita Faria é atriz, brincante e arte-educadora bilíngue, além de fazer parte do Coletivo Geral Infâncias. E-mail: barbarasafaria@gmail.com

Mariana Dias Duarte Borchio. Mestranda promestre FaE (em curso). Especialista em Educação pela PUCRS. Formação em Psicanálise pelo Instituto de Psicanálise e Saúde Mental. Graduada em Psicologia, Artes Plásticas e Pedagogia. Atua como Psicóloga Clínica e professora do Ensino Básico em BH. E-mail: mariana.borchio@gmail.com


Imagem de destaque: Portal Prioridade Absoluta

1 comentário em “Direito de que mesmo? 32 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente”

  1. Pingback: Jornal 356 - Pensar Educação

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *