Educação e criminalidade

Wojciech Andrzej Kulesza

A divulgação pela imprensa de pesquisa recente, realizada pelo Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da USP, que mostra que o investimento público do governo brasileiro destinado à educação básica é quatro vezes menor que aquele destinado ao sistema carcerário, recoloca a questão da relação entre educação e criminalidade. Questão pertinente para o caso da população jovem em idade escolar, alvo de inúmeros discursos que pregam que o seu tratamento na esfera criminal seja igual ao do adulto.

É claro que estes valores são per capita, já que, apesar de o Brasil ser um dos países com maior população carcerária no mundo, felizmente, há muito mais gente nas escolas do que nas cadeias. Apesar de insuficiente, o gasto do governo com o ensino público é muito maior do que o despendido no sistema prisional. Os gastos com o encarceramento em si, tais como, alimentação, saúde, vestimentas, limpeza, entre outros, inclusive educação, apesar de prever a participação obrigatória do detento, são bancados pelo Estado.

Basta comparar um presídio moderno, com milhares de apenados, com uma escola pública também com milhares de alunos, de manhã até a noite, para perceber a grande diferença de custos desses dois equipamentos sociais. Primeiro, na arquitetura, clausurada da penitenciária, aberta na escola, com a consequente desproporcionalidade entre os seus sistemas de segurança. Segundo, o fluxo de pessoas, constante nas escolas, reduzido nos presídios e inflacionado nos dias de visita.

De qualquer maneira, a reclusão nas prisões veio substituir a condenação à morte ou mutilação, ao banimento e aos trabalhos forçados antes vigentes. A condenação às galés, vigente no Brasil até o século XIX, na qual o condenado, com os pés e as mãos presas, era forçado a realizar trabalhos, não necessariamente de impulsionar a remos as embarcações, é um exemplo desse modo de conceber o modo de tratar o indivíduo por um delito cometido. Essa concepção ainda subsiste hoje na afirmação “bandido bom é bandido morto”.

Uma máxima comum no século XIX afirmava que “abrir escolas é fechar prisões”, mote iluminista que pressupunha que o conhecimento, por “esclarecer” o indivíduo, o impediria de cometer ações condenadas pela sociedade. Embora o desconhecimento da lei, para o direito penal, não justificasse o delito, saber que ela existe poderia prevenir alguém de cometê-lo. Tal como nos autos de fé medievais, a pena tinha um efeito de demonstração para a sociedade das consequências do ato delituoso.

A relação direta de causalidade entre educação e diminuição da criminalidade foi desacreditada pelos evidentes contra exemplos oferecidos pelos criminosos de alta escolaridade, ligando-se a criminalidade a características individuais do delinquente. Essa tipificação antropológica, sociológica e psicológica do criminoso, associou-se então no Brasil às propostas para o aperfeiçoamento da raça, criminalizando a priori pretos, pardos e brancos pobres que, não por acaso, constituem hoje a grande maioria da população trancafiada em nosso sistema prisional.

A racionalidade alegada para a pena de privação da liberdade é a ressocialização do infrator ou delinquente, um processo envolvendo educação, trabalho e disciplina na prisão. Na prática, devido à ausência das condições necessárias para que esse processo ocorra efetivamente, o detento, depois de cumprir a pena, sai da prisão completamente inadaptado para a vida social. Na maioria dos casos ocorre uma dessocialização marginalizando ainda mais o condenado, já estigmatizado pela sociedade.

Por uma estranha transposição, ao cumprir a pena, o detento é obrigatoriamente matriculado numa escola particular, a escola do crime. Altamente recomendável, pelo sucesso “profissional” de seus egressos, a ressocialização propiciada por essa escola recoloca o apenado, agora muito mais qualificado, no mundo do crime. As organizações criminosas que agem no interior das penitenciárias se contrapondo ao Estado e, muitas vezes, o substituindo, fortaleceram-se sobremaneira recrutando esses apenados.

Enquanto a ressocialização por meio do trabalho e, inclusive, através da educação formal, como previsto na legislação, não tiver condições de ser efetivada em todas as prisões, o sistema prisional continuará se auto alimentando, relegando milhares de pessoas a continuar mofando nas masmorras. A utilização ampla e competente do trabalho como princípio educativo, afora seu cômputo para a remissão da pena, permitirá ao ex-presidiário sua inserção no mercado de trabalho e a retomada plena de sua vida social.


Imagem de destaque: Galeria de imagens

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *