História da Educação na era digital: da historiografia às redes virtuais

Virgínia Pereira da Silva de Ávila¹

Nilton Ferreira Bittencourt Junior²

 Dulcineia Cândida Cardoso de Medeiros³

Não raro a história das instituições escolares se confunde com a história das pessoas. Esse é o caso da professora Sônia Magali de Sá Guimarães, 76 anos, nascida em Petrolina, no estado de Pernambuco, e detentora de vasto legado no campo da história da educação. 

Trajando uma camisa cor de laranja, cabelos curtos, grisalhos, maçãs do rosto rosadas, olhos pequenos, lábios finos e discretamente pintados, Magali nos recebeu para uma conversa virtual. Foi sua primeira experiência com as novas plataformas digitais. Considerando o momento atípico vivido no país, em decorrência da Covid-19, as atividades virtuais com o uso da internet, quer sejam aulas, conferências, solenidades, seminários, rodas de conversa entre outros, têm se constituído como um espaço de comunicação e interação entre professores, alunos e comunidade em geral. E aqui, encontramos um campo fértil para a produção e divulgação do conhecimento no campo da história da educação, favorecendo a construção de redes de sociabilidade, de partilhas e de afetos.

Fato é que, a internet tem redefinido as formas de produção de linguagem na atualidade, influenciando e modificando gêneros e modalidades de relação dialógica, como lembram Beatriz Silva e Sheila Grillo (2019). Para elas, a história se divide em três grandes períodos: agrícola, industrial e digital. Na era digital, também conhecida como sociedade da informação, a cultura e a economia dependem essencialmente da tecnologia, da comunicação e da informação. E como fica o conhecimento? No entendimento de Castells (2020) a internet cumpre um papel fundamental na contemporaneidade, como ele diz: isola, mas relaciona. Não aliena, mas encoraja. Não elimina a emoção, mas a alimenta. Não é comida, mas sem os pedidos de suprimentos e receitas on-line, seria mais difícil comer agora. 

Voltando ao nosso encontro virtual e comungando da ideia de Castells de que é possível transformar a internet em um ambiente solidário, carregado de sentidos e afetos, podemos dizer que, a trajetória da professora é permeada de consciência histórica e memórias. Em 1953, a professora Magali foi morar em Senhor do Bonfim, no estado da Bahia. Trabalhou no Ginásio Sagrado Coração, na função de professora, entre os anos de 1964 a 1967. Retornou à instituição na condição de secretária, no ano de 1970, quando o Ginásio foi vendido ao governo do estado da Bahia. 

Auxiliou na guarda de todos os documentos do Ginásio na antiga sacristia onde se tinha um acesso esporádico. A lista de documentos compreende: Ata de prova parcial (1949-1961), Ata de prova oral (1946-1960, oito livros), Ata de médias finais (1947-1970), Ata geral de exames de admissão (1949-1969), Ata de matrícula (1945-1962; 1964-1969), Livro de inscrições de exames de admissão (1944-1969), Ata de matrícula geral (1944-1951), Ata de grêmio estudantil (1968), Livro – Relatório de verificação das novas instalações do Ginásio Sagrado Coração (1951); Relatórios de diferentes inspetores federais (1944, 1945, 1946, 1947, 1948, 1950, 1953, 1954, 1955, 1956, 1957, 1961, 1962), correspondências (1946, 1947, 1950, 1958, 1951,1958, 1959), um exemplar do Diário Oficial da União (1946), Livro de ponto (1968-1969), nove volumes de um curso de Educação Física por correspondência, um Guia do Secretário (1965), 1.800 dossiês de alunos. Além destes, o acervo conta com três caixas repletas de documentos avulsos a serem higienizados e catalogados.   

Ao nos reunirmos com a professora Magali para conhecer a “história do acervo do Ginásio Sagrado Coração”, acabamos por virtualizar o encontro. Ele aconteceu, está agora estático no magnetismo binário. E aí pensamos: o que podemos fazer desta ‘fonte’? Levy nos fala que a virtualização é a semente, é a potencialidade de árvore, mas não ainda árvore. Na história não temos este movimento também? Uma fonte histórica não é história, mas a potência (virtus) de história, de uma realidade acontecida com possibilidade de atualização. 

O uso de mídias com objetivo educativo é um registro histórico, é a virtualização, realidade capturada e estática, que quando utilizada em um futuro, poderá se ‘atualizar’ em interpretações em uma possível bricolagem com informações ocorridas após a sua produção. Na ação historiográfica, ao manusear e dialogar com as fontes, podemos executar um processo de atualização do passado e de criação. A atualização é um ato de criação, ou melhor, é a invenção/revelação de um novo foco, que não existia no ato da virtualização, pois é posterior e interpretativo. Assim, após a reunião on-line com a professora Magali, percebemos que a gravação por si só, pode se transformar em fonte histórica, pois apreendeu o atual e o tornou estático. Isso potencialmente pode ser usado como fonte de análise posterior, nas mais diversas pesquisas que vão desde como eram as reuniões em tempos de pandemia ao conteúdo de curadoria do acervo histórico do Colégio Estadual Senhor do Bonfim. 

Esse material tem sido cuidadosamente tratado por Dulcineia Cândida Cardoso de Medeiros, professora da rede básica de Senhor do Bonfim e a qual temos tido o prazer de acompanhar como orientadores da sua pesquisa de mestrado, junto ao Programa de Pós-Graduação em Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares, da Universidade de Pernambuco, Campus Petrolina. 

A maior parte do acervo físico do Ginásio Sagrado Coração atualmente se encontra em processo de higienização e digitalização. Uma parcela desse acervo passou por esse processo e já são 1.401 páginas devidamente acondicionadas. O magnífico disso é que esse imponente acervo será disponibilizado por meio do acervo digital do Grupo de Estudos e Pesquisas em História e Educação no Sertão do São Francisco | Gephesf e possibilitará acesso a pesquisadores de diferentes áreas. Por meio do conhecimento e estudo desse patrimônio educacional a história da instituição emerge e as identidades individuais e coletivas são consolidadas. Felgueiras (2011), aponta que o trabalho de conservação dos arquivos escolares constitui-se em uma atitude de cidadania.      

O zelo de Magali pelo material histórico a transformou também em fonte viva da história da escola. Cada documento guardado por ela é uma semente à espera de bons semeadores em terreno propício para se tornar árvores da história da educação brasileira.

 

1 – Professora associada da Universidade de Pernambuco, Campus Petrolina, atuando no Colegiado de Pedagogia e no Programa de Pós-Graduação em Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares (Ppgfppi). Colorada e de esquerda desde cedo.

2 – Professor Adjunto da Universidade Federal do Piauí, UFPI/CSHNB no curso de pedagogia e demais licenciaturas.

3 – Professora da educação básica no município de Senhor do Bonfim e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares da Universidade de Pernambuco.   

 

Para saber mais:

BONATO, N. M. C. Os arquivos escolares como fonte para a história da educação.  Revista Brasileira de História da Educação, nº 10, jul./dez. 2005. Acesse aqui.  

CASTELLS, Manuel. O digital é o novo normal. 26/05/2020. Acesse aqui

LÉVY, Pierre. O Que é Virtual?. Rio de Janeiro: Editora 34, 1996.

FELGUEIRAS, M. L. Herança educativa e museus: reflexões em torno das práticas de investigação, prevenção e divulgação histórica. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, SP: Editora Autores Associados; Sociedade Brasileira de História da Educação, v. 11, n. 1 (25), p. 67-92, jan./abr. 2011. Acesse aqui

SILVA, Beatriz Amorim de Azevedo e; GRILLO, Sheila Vieira de Camargo. Novos percursos da ciência: as modificações da divulgação científica no meio digital a partir de uma análise contrastiva. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 51-73, Mar.  2019. Acesse aqui

 

*O texto contou com a revisão simultânea de Lana Krisna de Carvalho Morais | UESPI e Manuela Garcia de Oliveira | UNESP. São os novos tempos da era digital.

 


Imagem de destaque:  Acervo Gephesf/UPE, 2019.

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