E assim continuamos – Aleluia Heringer Lisboa

 E assim continuamos

Aleluia Heringer Lisboa

Estamos em um momento de muitos ruídos, sensação de torre de Babel. Nestas horas, queremos os “pajés” que nos ajudem a identificar os “sinais” seguros. Vejo, portanto, toda essa movimentação com o gosto de “vinho novo em odres velhos”.

O Brasil sempre teve, desde 1890, com a institucionalização do ensino secundário seriado, um sistema dual. Ser “bacharel em Ciências e Letras” (esse era o título para quem se formava no ensino secundário) era para aqueles que almejavam os estudos superiores. Isso não era para a classe trabalhadora, mas para os poucos que poderiam ser dispensados do trabalho e se dedicarem aos estudos. Esses seriam os “doutores”, a “elite condutora do país”. Lourenço Filho dizia, em 1960, que o ensino secundário era “apanágio de poucos”. Poucas eram as escolas de ensino secundário, e essas, ainda, de caráter aristocrático.

Em um dos artigos “Falando francamente”, Anísio Teixeira, em 1958, denunciava que esse sistema só era possível pois “atendiam à antiga e tradicional estrutura da sociedade. Por ser um sistema dual, bifurcava a sociedade em uma grande massa de ignorantes e uma elite letrada e ilustre, destinada esta às funções de governo”. Essa crítica pesada é presente na escrita de outros educadores , e isso, durante décadas. Lourenço Filho chamou de “estratificação regional da ignorância” o fato de haver Estados com 50% de crianças fora da escola.

Nesse período a pressão das camadas populares em ascensão e com um “novo senso dos seus direitos” se intensificou. A luta era, e ainda é, por uma educação “que lhes abra todas as portas”, dizia Anísio Teixeira (1954), e já profetizava que esta pressão iria transformar, fundamentalmente, essa educação secundária. Na década de 50, a escola secundária já emitia, portanto, claros sinais de esgotamento. Vai ficando para trás essa escola idealizada, “de qualidade”, pois para poucos. François Dubet diz que “é necessário romper com a nostalgia de uma idade de ouro que nunca existiu na escola, ou somente existiu para uma minoria”. Esse padrão elitista se rompeu de vez em dezembro de 1963, quando se abrem anexos dos ginásios estaduais, ampliando-se, assim, as vagas. Essa abertura atendia ao Plano Nacional de Educação publicado em 1962 e ao alarmante dado de que, de 1900 a 1960, o número de analfabetos na população adulta havia crescido de 6 para 20 milhões. Uma nova configuração do ensino secundário emerge.

Em todas as reformas educacionais da primeira metade do século XX, o ensino técnico (industrial, agrícola, comercial ou normal) era destinado para as classes trabalhadoras, tanto que eles não davam acesso ao ensino superior. Essa realidade só mudou em 1953. Entretanto, o ensino secundário, científico ou clássico, era de maior prestígio e o que dava acesso ao ensino superior e possibilidade da ascensão social. Era isso que as famílias e os jovens queriam. Houve grande pressão popular. Anísio Teixeira chegou a comparar as “filas nos açougues” com as “filas para se conseguir um lugar na escola”. Essa incorporação das classes populares passou a criar um desajuste.

Hoje, quase 60 anos depois, pouco avançamos. Continuamos tendo uma escola para pobre e outra para rico. A desigualdade social é uma grande fenda e ferida em nossa história. O fracasso do ensino secundário, principalmente no sistema público não se deve apenas ao currículo. Este sim, mais fácil de mexer, precisa ser revisto. Ensina-se muita coisa desnecessária e há excessos, entretanto, não é esse o motivo da evasão escolar. Imagine o esforço hercúleo que o jovem da classe trabalhadora precisa fazer para vencer inúmeras barreiras, desde as mais básicas de alimentação, transporte, segurança, até a preocupação com o próprio sustento e, em muitos casos, da própria família. Chegar em uma escola sucateada, desprovida de equipamentos básicos, com um professor que precisa dobrar ou triplicar uma jornada de trabalho para garantir um mínimo de renda, sem tempo para estudar e preparar suas aulas. É muita coisa conspirando para que tudo dê errado. Não é possível outra leitura quando verificamos que somente 58% dos estudantes concluem o ensino médio, enquanto 85% dos alunos mais ricos no Brasil finalizam essa etapa, 28% dos jovens com menos recursos conseguem o mesmo. A falta de interesse é, segundo o BID, a principal razão do abandono. Lá fora há outros atalhos e outras possibilidades que dão respostas mais rápidas, mesmo que curtas. E assim continuamos.

Nem todos serão doutores, cientistas ou astronautas. Nem todos pintores ou mecânicos. Temos artistas, escritores e desenhistas. Temos, sim, aptidões diferentes. Nenhum problema até aí, o que não dá para aceitar é o condicionamento dessa escolha à condição socioeconômica. Continuaremos, por conta disso, tendo os filhos da elite nas melhoras escolas e em condições de disputarem as poucas vagas do ensino superior, este sim, contraditoriamente, gratuito e público.

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