7 de setembro de 2022: “Estou vendo uma esperança…”

Luiz Rena

Há 200 anos nos prometeram um país independente para um povo livre, feliz, emancipado e capaz de conduzir os rumos da própria história. Anunciaram um gigante pela própria natureza, que se revelava belo, forte, impávido e colosso, e cujo futuro espelhava essa grandeza antevendo para as próximas gerações uma mãe gentil que proveria sustento e vida digna para todos os seus filhos e filhas.

Ao longo de dois séculos a pátria amada tem se revelado uma mãe por demais generosa para uma minoria e uma madrasta perversa, como as dos contos de fadas, para uma imensa maioria dos brasileiros e brasileiras. Ah!!!!! pátria amada, salve! salve! que dívida imensa acumulastes com os excluídos e empobrecidos deste chão ao longo desses 200 anos de caminhos tão tortuosos

Depois de mandar de volta a Portugal o Imperador e sua corte, passou a se chamar República. Muitas vezes ultrajada, tantas vezes maltratada e quase sempre traída pela vil elite sem escrúpulos. A família real se foi deixando feridas abertas que ainda sangram… o patriarcado machista, o racismo estrutural, a intolerância religiosa, a concentração escandalosa da riqueza e a vocação autoritária de um pequeno grupo sempre disposto a sabotar nossa frágil democracia.

Foi preciso muita luta dos trabalhadores e seus aliados para fazer valer o direito de ter direitos. Direitos Humanos pomposamente anunciados em 10 de dezembro de 1948 que deveriam ser garantidos a todos e todas que reconhecemos como humanidade. A utopia francesa de liberdade, igualdade e fraternidade atravessou o oceano e alimentou por aqui o sonho de uma pátria menos pátria e, quem sabe, mais “mátria”, mais “frátria”. Sonho tantas vezes adiado pela mão pesada do estado autoritário: Inconfidência Mineira, Canudos, Cabanagem, Farrapos, Palmares foram ensaios de vida em liberdade.

Mas o projeto de uma nação livre, soberana e moderna projetado nas cabeças iluminadas dos donos do poder não combinava com um povinho iletrado e ignorante. Era preciso educar essa gente tosca e impura, fruto do encontro inevitável de indígenas e pretos que se reproduziam aos montes para garantir mão de obra barata para o senhor de engenho e depois para donos das fábricas e serviços. A escola, antes de uma minoria privilegiada, entra em cena como estratégia de refundação de uma nação de futuro promissor. Aos poucos o direito à educação deixou de ser uma concessão das elites dirigentes para entrar na pauta da luta dos trabalhadores, das mulheres e dos jovens. Nenhuma criança fora da escola; educação de qualidade; valorização dos professores(as); merenda nutritiva; transporte escolar. O direito à escola foi aos poucos deixando de ser uma reivindicação por mais vagas nas escolas para se tornar uma luta pelo direito humano a uma educação de qualidade da educação infantil ao ensino superior.

Durante os vinte e um anos da Ditadura Civil-militar os filhos e filhas dessa pátria mãe gentil experimentaram a mordaça da censura, o exílio, o horror da tortura e morte nos porões dos quartéis, o empobrecimento e a fome. A Educação foi fortemente atingida e nestes tempos de escuridão a pátria amada pode ver que há entre nós aqueles e aquelas que não fogem à luta.

Em meados dos anos 1980 a Nova República trouxe de volta ao poder a velha elite com promessas de desenvolvimento e liberdade, sendo necessário refundar o país com a convocação de uma Assembleia Constituinte. A Constituição Cidadã de 1988 recolocava o trem da história nos trilhos e era preciso resgatar a utopia e organizar a esperança contra toda desesperança. Era o sol da liberdade em raios fúlgidos brilhando no céu da pátria novamente.

A chegada de um nordestino operário e de uma mulher ao poder rompeu com uma tradição secular de homens brancos engravatados comprometidos com o agronegócio ou com os barões do sistema financeiro. Neste período, a pátria amada Brasil incluiu os empobrecidos no orçamento e reconheceu que seu território vai muito além das fronteiras do Sul e Sudeste. A pátria amada revelou-se capaz de ouvir seus filhos tão fiéis nas milhares de conferências setoriais e organizar políticas públicas de grande alcance e uma abrangência nunca vista em sua história, oferecendo o cuidado como política e não como caridade. O direito à educação foi levado a sério como dever do Estado, as redes públicas foram ampliadas, programas de qualificação docente e de acesso à universidade saíram do papel. Mas, ainda havia muito que fazer para se alcançar a educação de qualidade, libertadora e emancipadora que Paulo Freire defendia.

Mas, como no passado, a pátria amada viu o trem da história descarrilar mais uma vez. As elites, as oligarquias e seus aliados não suportaram tanto tempo fora do poder. Numa conjuntura de esvaziamento e fragilidade dos Movimentos Sociais e dos setores mais progressistas da sociedade promoveram o golpe de Estado que derrubou a primeira presidenta do Brasil sem que ela cometesse qualquer crime. Esta ruptura com a Constituição fragilizou as instituições e estabeleceu as condições para que o extrema-direita, até então silenciosa, retornasse com seu discurso fascista, retomando o poder.

A extrema direita no poder que abandonou as políticas públicas de educação e tragédia da pandemia da Covid-19 que esvaziou as comunidades escolares foi a triste combinação que evidenciou o apartheid social e educacional que estamos a viver neste Bicentenário da Independência do Brasil. O pleno direito à educação de qualidade ficou mais distante ainda.

Com tudo isso fica a tarefa ética e política de sustentar a esperança e buscar a superação desse modelo burguês de educação e a construção de uma escola democrática aberta aos novos desafios colocados para o tempo presente. Como afirma Márcio Pochmann “O Séc 21 impõe três grandes desafios ao processo de ensino-aprendizagem. Será preciso olhar mais para o Oriente, lidar com desafios do Antropoceno e apostar nas potências da Era Digital, combatendo o fosso entre as maiorias e o acesso pleno à internet.” 

Esperancemos!

Sobre o autor
Pedagogo, Mestre em Psicologia Social/UFMG, Diretor Executivo da Casulo CASULO – Oficina de Conhecimento, Intervenção Psicossocial e Consultoria Educacional, Professor voluntário na Rede EDUCAFRO Minas, membro do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Betim.


Imagem de destaque: Brasil de Fato

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