31 de março: “A noite que durou 21 anos”

Luiz Carlos Castello Branco Rena

Artigo I: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.

Artigo III: Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. 

Artigo V: Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. 

Artigo VI: Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei. (DUDH, 1948)

O título que encabeça esse artigo é uma paráfrase do documentário brasileiro, dirigido por Camilo Galli Tavares, sobre a participação do governo dos Estados Unidos na preparação, desde 1962, do golpe de estado de 1964 no Brasil, que tem como título “O Dia que Durou 21 Anos” ( https://www.youtube.com/watch?v=ltawI64zBEo ). Um belo trabalho que resgata e preserva a memória da trama internacional que produziu a ruptura com o Estado de Direito, mergulhando o Brasil numa longa noite que durou 21 anos (1964-1985). A Ditadura Civil-Militar que se instaurou no Brasil a partir de 01 de abril de 1964 ignorou a Declaração Universal dos Direitos Humanos e usurpou da população brasileira o direito participar da definição dos rumos do país. Aqueles e aquelas que ousaram denunciar o regime foram perseguidos, muitos presos e torturados; 434 brasileiros foram mortos nos porões da Ditadura ou estão desaparecidos.

A educação básica e o ensino superior forma duramente atacados através de uma reforma que empobreceu os currículos, fechou as organizações estudantis e dos(as) trabalhadores(as) da educação, afastou importantes pesquisadores(as) da vida acadêmica, encarcerou ou exilou outras personalidades de reconhecimento acadêmico-científico internacional. Assistimos duas décadas de sucateamento das estruturas educacionais com forte impacto na oferta de vagas e na qualidade do ensino. Depois de muita luta dentro e fora do Brasil a Ditadura foi perdendo apoio interno e externo, o que permitiu a negociação de uma anistia restrita, a volta gradual para a democracia em 1985 e construção de uma nova Constituição Federal, em 1988.

Quase quatro décadas depois, em oito de janeiro de 2023, uma ameaça de golpe ganhou as ruas de Brasília, culminando na invasão e destruição das sedes dos três poderes da República. A extrema direita, insatisfeita com o resultado das urnas em 2022, tentou repetir o golpe de 1964. Agora não mais colocando tanques nas ruas, mas os telefones celulares como ferramentas de produção da mentira e mobilização de milhares homens e mulheres ideologicamente convertidos em soldados sem armas. Esse movimento, frustrado pelas forças democráticas em diferentes setores da sociedade, nos impõe uma reflexão.

Lembrando Espinosa, “não há medo sem esperança e não há esperança sem medo”. Mergulhamos na tarefa de reconstruir a democracia brasileira e afastamos o medo do retrocesso político. A esperança é a emoção que nos move para o futuro. Mas o medo é a outra emoção que nos coloca vigilantes diante dos riscos de uma volta à Ditadura. Ao proclamar aprovada a Constituição de 1988, o Deputado Ulisses Guimarães (PMDB-SP) afirmou: “Temos que ter nojo da Ditadura…”. É preciso acrescentar: temos que ter nojo e medo das ditaduras e do fascismo.

A conjuntura política dos últimos dez anos, desde as manifestações de junho de 2013, propiciou uma proliferação de manifestações fascistas entre jovens, sobretudo, nas redes sociais. Multiplicam-se também os eventos de violência nas escolas, acompanhados de discursos de ódio e da apologia às Ditaduras. Estudos recentes apontam para a relação estreita entre essas situações de violência no interior das comunidades escolares e o fortalecimento dos grupos nazifascistas e de extrema direita dentro e fora do Brasil. Os jovens que frequentam as salas de aula da Educação Básica hoje, 2023, têm nenhuma ou pouca memória histórica como a que está preservada no documentário de Camillo Tavares, citado anteriormente. A cada dia fica mais evidente a urgência de se iniciar ou fortalecer o trabalho de formação da consciência crítica sobre nossa história recente. A tarefa educativa que nos cabe implica plantar a esperança sem a ingenuidade de que a democracia é um valor consolidado na cultura brasileira. Há muito trabalho por fazer para que o amanhã seja um outro dia, como diz Chico Buarque:

“Hoje você é quem manda
Falou, ‘tá falado
Não tem discussão, não
A minha gente hoje anda falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão

Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia
Eu pergunto a você onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando sem parar

https://www.youtube.com/watch?v=33-bMTOlvx0 


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