O Coronavírus expõe a fragilidade do capitalismo que vive estabelecido em um cenário onde os países, ditos desenvolvidos, realizam a manutenção de sua supremacia em torno da exploração dos que são classificados como “em desenvolvimento” ou “subdesenvolvidos”.
Só que, desta vez, a carga viral passeia não só entre os que pegam busão ou metrô, mas entre os que frequentam os melhores bistrôs, os que fazem as viagens mais luxuosas e entre uma classe até então inatingível: as “autoridades”.
É provável que os países e bairros mais pobres, mesmo carentes de estrutura de atendimento em saúde, sofram, no entanto, estes locais exalam uma quantidade de crianças e de juventude muito maior do que pode ser encontrado em países ou bairros ricos. E isso indica algo. Eles, talvez, se imunizarão muito mais rápido em um curto prazo. Por certo, em países em situação de miserabilidade, as mortes ocorrerão entre todas as faixas etárias, pois o corpo necessita responder à doença e, não havendo condições mínimas de alimentação e qualidade de vida, o sistema imunológico padece.
A economia global deixou os países tão dependentes uns dos outros – em relação à matéria-prima, aos produtos e à tecnologia, mesmo com a balança pendendo inescrupulosamente em favor daqueles que, outrora, se denominavam como colonizadores – que qualquer mudança abrupta nesta dinâmica gera uma fratura exposta que revela o quanto os colonizados (reféns, ainda hoje) abrem mão de suas riquezas e da geração de tecnologia (especialmente aquelas que poderiam gerar benefícios sociais diretos) e acabam beneficiando diretamente os tais colonizadores e que hoje escondem-se atrás de mecanismos naturalizados com o nome de ‘economia global’. A divisão internacional do trabalho alimenta-se de estratégias geopolíticas que atentam contra a vida humana e o meio ambiente como um todo.
Crises como esta, mesmo dando ao capitalismo a oportunidade de se reorganizar e manter-se vivo (com todas as consequências funestas decorrentes disso), dão à sociedade global a chance de repensar as relações humanas, sociais, institucionais, internacionais, enfim, tudo que, neste momento, encontra-se abalado.
Conseguimos perceber que não comemos dinheiro (nem os zeros à direita, na tela do banco on-line) e as bolsas de valores não contém nada de essencial à vida humana. Temos a chance de dar valor ao tempo, já que produzir, extenuar-se no trabalho e explorar violentamente a natureza, neste momento, não faz sentido. Um tempo que pode gerar novas valorações, indicando que a saúde física, a saúde ambiental, a riqueza e diversidade que a terra fértil nos dá são os elementos mais importantes da vida neste planeta. Neste momento particular, o Estado pode mostrar o quanto é importante desviar do foco da iniciativa privada como salvadora da pátria e fazer como na Espanha, que estatizou hospitais particulares para o bem social.
Muitos valores que defendemos hoje não caminham ao encontro de um mundo melhor, mas sim do que é melhor para um sistema econômico que depende da degradação social e ambiental.
Aprendemos a glamourizar a transgenia na produção de alimentos, os hormônios e o encarceramento para o abate de animais, o avanço das fronteiras agrícolas sem nem mesmo acessar a riqueza medicinal e biológica presente em áreas que, em sua plenitude, não poderão mais ser recuperadas. Esquecemos, portanto, o quanto os povos originários já realizaram sobre a seleção de sementes, sobre as agroflorestas, o abate sustentável de animais (e a convivência pacífica com eles) e o uso de importantes substâncias da natureza no fortalecimento e/ou recuperação da saúde humana e animal e da própria flora.
Usar leis humanas como soberanas na ordem planetária é um contrassenso e uma irresponsabilidade, especialmente se elas estiverem desalinhadas com a necessidade de toda a diversidade existente. Este fenômeno ocorre em escala cada vez maior na atualidade e, no Brasil, foi agravado a partir do Golpe de 2016, num contexto nacional que abarca a Floresta Amazônica e o Pantanal – de importância global.
Mas, qual a relação da crise atual do Capitalismo e do Coronavírus com as possíveis soluções a partir do Ecossocialismo?
O Ecossocialismo supera pseudosoluções ambientais a partir de uma ecologia de mercado e propõe mudanças estruturais nas relações sociais e com o meio ambiente.
Permite enxergar que com as alterações ambientais provocadas pela raça humana, é cada vez maior a chance de que pandemias e a formação de cenários hostis à vida humana tornem-se realidade – decorrente do degelo oriundo do aquecimento global (que expõe vírus e bactérias conservados por milênios, cuja raça humana não dispõe de mecanismos imunológicos de combate), o aumento das fronteiras agrícolas, a exploração do solo e a consequente destruição de plantas e dos biomas.
O Ecossocialismo, desta maneira, pode fazer com que, além de nos indignarmos com as quase 20.000 mortes diárias decorrentes da fome, possamos encarar a crise do Coronavírus não como uma falha da ciência ou da medicina, mas como uma falência das relações humanas e do ser humano com a natureza.
Neste momento delineia-se a chance de repensar toda a organização social, o papel do Estado na atualidade e que o desenvolvimento dos seres humanos está muito mais relacionado ao potencial que pode ser estimulado a partir de um trabalho não alienante, engajado na continuidade da diversidade e da vida, do que de uma dependência de PIBs, juros, bolsas e títulos.
Imagem de destaque: Chris Barbalis / Unsplash