O teatro do oprimido se mostra cada vez mais atual
Henrique Caixeta Moreira
O Teatro do Oprimido é um método teatral desenvolvido pelo dramaturgo brasileiro Augusto Boal. Ele surgiu da necessidade de reinventar o teatro em tempos de censura e repressão. Para Boal, teatro é ação, e mais do que isso, teatro é política, porque toda ação humana é política, e o teatro não poderia ser diferente. Assim, a criação e o desenvolvimento do Teatro do Oprimido aconteceram a partir dessa percepção política do teatro.
Logo no começo do livro “Teatro do oprimido e outras poéticas políticas”, Boal chama nossa atenção para o fato de que o “teatro” era uma prática coletiva cantada onde todos participavam como atores e espectadores. Uma atividade coletiva, livre e auto-organizada. Uma experiência bem difícil de se encontrar nos dias atuais e também muito diferente do próprio teatro atual.
O teatro com plateia foi desenvolvido a partir da ação da aristocracia sobre essas experiências livres. Com isso se cria uma hierarquia, aqueles que atuam e aqueles que assistem e ainda entre os atores a hierarquia entre os protagonistas e o “coro”. Uma organização que metaforiza a organização social aristocrática, onde um grupo age e guia e outro grupo, o povo, os segue. Boal ainda aponta que com a chegada do poder financeiro e ascensão da burguesia a lógica hierárquica do teatro não mudou. Em traços largos, a principal mudança trazida pela nova elite foi uma nova forma de apresentação dos protagonistas que deixaram de ser objetos de valores morais, superestruturais e se transformaram em sujeitos multidimensionais, excepcionais, igualmente afastados do povo.
Essa organização do teatro se manteve ao longo da história e se mantém até hoje em diversos aspectos. Contudo, em 1970, Boal percebeu um rompimento com essa estrutura no teatro latino-americano e a partir de seu estudo cunhou o que hoje chamamos de teatro do oprimido. Um teatro onde os meios de produção teatral são de todos. Uma socialização do fazer teatro. O teatro do oprimido através de inúmeras técnicas quebra a quarta parede e reformula essa divisão entre protagonistas, coro e plateia. Assim sendo o teatro do oprimido se destaca por ser um teatro popular, livre e dialógico.
Através de sua origem marxista o teatro do oprimido traz a tona vários aspectos reais da sociedade e tem um viés educativo grande, corroborando inclusive com os trabalhos de Paulo Freire. As técnicas do TO se destacam por seu potencial de espetáculo, todas elas são pensadas para o teatro em seu sentido mais corriqueiro, o da apresentação. No entanto, o texto de Boal lido aos olhos de um/a pedagogo/a se estende de maneiras imensuráveis para dentro do campo da educação. O caráter dialógico e o potencial de despertar reflexões sobre algo que falta bastante nos dias de hoje, consciência. Essa consciência pode ser de classe, de raça, de gênero, do que afetar aquele determinado grupo, o que torna o Teatro do oprimido uma excelente ferramenta pedagógica.
Vemos aos montes hoje em dia situações onde as pessoas se culpam e se sentem responsáveis por mazelas às quais são diariamente afetadas. O preconceito, o estigma, o racismo, o bullying, entre outros. Não faltam discursos, especialmente na internet, de pessoas que falam da responsabilidade pessoal, que você pode sozinho alcançar tudo o que quiser e que se algo ainda não aconteceu para você a culpa é essencialmente sua. Esses discursos parecem motivadores mas na verdade escondem um grande mal, eles individualizam problemas que muitas vezes são coletivos e precisam ser atacados na coletividade.
O teatro do oprimido enquanto ferramenta pedagógica é um fortíssimo aliado na busca por consciência, coletivização e conexão dentro de um grupo ou sala de aula. Dois aspectos fundamentais são responsáveis por isso: o primeiro é a quebra das hierarquias e o convite para que cada um dos integrantes assuma o protagonismo. Esse exercício convoca os integrantes a tomarem a frente e buscarem através de suas ações fazer a diferença. E o segundo é a lógica comunitária e aguerrida. Os exercícios do teatro do oprimido provocam os integrantes a sair de sua zona de conforto e ajudar os outros, resolver problemas que são de todos e não só seus.
Vivemos um mundo onde somos, cada vez mais, capazes de produzir informações, textos, vídeos, mensagens, áudios, podcasts, entre outros, sobre nós mesmos, mas temos cada vez menos algo a dizer de um nós coletivo, dos nossos grupos, dos nossos companheiros, de quem anda, corre, cai e se levanta ao nosso lado. É nesse mundo que o teatro do oprimido se mostra cada vez mais atual, é para essa sociedade, extremamente seccionada por identidades, diagnósticos e classificações que ele se faz cada vez mais necessário. Em um próximo encontro compartilho com vocês como foi a minha experiência em sala de aula usando o teatro do oprimido.