O ensino remoto em tempo de pandemia e o homeschooling

Christian Lindberg

Encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados a medida provisória nº 934/2020 (MPV nº 934/2020). Ela estabelece normas excepcionais para o ano letivo da educação básica e do ensino superior decorrentes da pandemia do coronavírus (COVID-19).

De acordo com a página eletrônica do parlamento nacional, a deputada Luisa Canziani (PTB-PR) é a relatora da medida, tendo como tarefa acolher as 229 emendas apresentadas e elaborar o relatório que deve ser votado no plenário da Câmara os Deputados.

A deputada Professora Dorinha (DEM/TO) apresentou um conjunto de emendas. Dentre elas, destaco a proposta que visa regulamentar a prática do homeschooling no país. Isso mesmo, regulamentar o homeschooling. Conhecida por relatar a PEC do FUNDEB, a deputada tocantinense propõe que a educação básica domiciliar seja admitida, sob responsabilidade dos pais ou tutores, desde que conte com a supervisão e avaliação de aprendizagem constante, tarefa a ser desempenhada pelos órgãos governamentais de ensino.

O argumento central da deputada Dorinha é uma suposta dubiedade na legislação educacional, mais precisamente no artigo 208, parágrafo 3º, da Constituição Federal. A Carta magna atribui ao poder público a competência de “recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola.”

Para Dorinha, a lei permite que a criança ou o jovem estude em casa (homeschooling), desde que a escola institua mecanismos de frequência e faça a aferição da aprendizagem através de avaliações. Ela argumenta que “pode ser aceita a hipótese de inserir a chamada educação domiciliar. Ela não poderá, porém, jamais prescindir de uma efetiva articulação e supervisão por parte da instituição escolar oficialmente constituída.”

A possibilidade que esta proposta seja acatada é difícil, visto que o tema do homeschooling requer um debate mais aprofundado, algo improvável de acontecer enquanto durar o isolamento social.

No entanto, com a proliferação do ensino remoto, nos termos da medida provisória nº 934/2020 e da resolução nº 05/2020/CNE, amplia-se, paradoxalmente, a possibilidade de o ensino domiciliar ganhar adeptos.

Isso se explica pelo aumento do contato dos pais e estudantes com as tecnologias da informação e comunicação (TIC). Computador, notebook, celular, internet, aplicativos, plataformas educativas e tantos outros artefatos tecnológicos e didáticos estão à disposição, principalmente das camadas sociais com maior poder aquisitivo.

Para reforçar a defesa do homeschooling, a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED) argumenta que a prática da educação domiciliar é viável diante da péssima participação das escolas brasileiras, principalmente as públicas, nas avaliações de larga escala. De igual modo, há o doutrinamento ideológico, inclusive sexual, dentro do ambiente escolar, colocando em risco os valores da família. A ANED afirma que: “não nos posicionamos contra a escola, mas entendemos que, assim como os pais têm o dever de educar, têm também o direito de fazer a opção pela modalidade de educação dos filhos. Defendemos, portanto, a prioridade da família no direito de escolher o gênero de instrução a ser ministrado aos seus filhos.” Os pais devem ter autonomia e liberdade para escolher para onde encaminharão os filhos na hora de estudar.

Segundo os defensores do homeschooling, as vantagens do ensino doméstico são: 1) As crianças não precisam se locomover até a escola, passando a sensação de mais conforto na hora da aprendizagem; 2) A escola tem sido palco de violência e consumo de drogas; 3) A indisciplina em sala de aula acaba impactando na aprendizagem dos estudantes, e os professores perdem tempo tentando acalmá-los; 4) O homeschooling impede que os docentes doutrinem os estudantes em sala de aula; 5) Os pais supervisionam a educação dos próprios filhos mais de perto, principalmente quando se ensina educação sexual ou moral.

Muitos atribuem ao professor John Holt a fonte da proposta. Ele escreveu uma crítica à escola e defendeu que a criança receberia uma aprendizagem melhor, se fosse educada em casa. Nesse caso, os próprios pais poderiam ensinar a seus filhos ou contratar professores particulares para ministrar os conteúdos educativos em aulas presenciais ou a distância (EaD).

Em suma, diante de tantas questões educativas que a pandemia do coronavírus tem apresentado ao debate educativo nacional, talvez o tema do homeschooling seja o mais nocivo para o futuro da escola. É bom ficarmos atentos.


Imagem de destaque: Annie Spratt / Unsplash

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *