Meu filho no mundo
Jacqueline Caixeta
Quando se ganha um bebê, os pais ficam encantados e se sentem responsáveis por aquele ser vinte e quatro horas por dia. É tanto cuidado que merece uma atenção contínua. Ter alguém pra cuidar, que depende totalmente de você, é algo surreal. Só quem já experimentou a parentalidade sabe como é.
No entanto, esse ser tão pequenino e indefeso cresce e precisa ir para o mundo. O frio na barriga é tão assustador quanto os primeiros dias de cuidados. Mas o filho precisa ir para o mundo, simples assim.
O primeiro mundo de uma criança é sua escola e aí, bem aí, começam os desafios. Tanto a criança quanto os pais começam a descobrir que seu filho não é único no mundo. Que naquela escola ele vai ter que conviver com outras crianças, que têm os mesmos desejos do que ele, vai ter que aprender a partilhar brinquedos e objetos que, até então, não precisava dividir com ninguém. Que terá uma professora que, diferente de sua mãe, terá outras tantas crianças para lidar. As primeiras descobertas de que existe um mundo fora da minha casa assusta pais e crianças.
A escola e os profissionais da educação infantil precisam ensinar para a família e a criança que o mundo existe além dos desejos deles, que as relações se constroem de maneira coletiva o tempo todo. Isso não é tarefa fácil, no entanto, extremamente necessária neste primeiro mundo da criança. É um aprendizado que perpassa pela dor o tempo todo. A frustração de descobrir que o mundo não é só meu, que tenho que dividir tudo, do brinquedo à atenção de um adulto com outras crianças, é um renascer dolorido e difícil demais para quem tem tão pouca idade.
Os professores vão, aos poucos, se responsabilizando por aquele ser e lhes ensinando a viver e conviver fora das paredes de sua casa. Vão mostrando que o mundo não é tão “cor de rosa” como seus pais pintam, que as cores se misturam em dias de sol e de chuva, que há alegrias e tristezas em meio a tempestades e flores. Enfim, vão desenhando a vida como ela é para aquele ser tão lindo e frágil que acaba de entrar no mundo.
Muitos são os desafios, e os pais precisam acompanhar juntos. Se procuram a escola para questionar questões como “meu filho chegou chorando porque o coleguinha tomou seu brinquedo”, ao invés de ouvir o lamento do filho e lhe perguntar o que ele fez, se contou para a professora, como foi a disputa com o coleguinha, ou seja, desafiar o filho a pensar que ele precisa resolver suas questões desde cedo, esses pais vão ter que fazer isso a vida toda, pois é na infância que se aprende as maiores lições. Lidar com a frustração e tentar resolver é tão libertador quanto doloroso, mas é preciso que a criança experimente tais dores, que aprenda, a duras penas e com choros, que ela pode e deve tomar as rédeas de sua vida, mesmo sendo pequena. É o mundo dizendo a ela que venha, venha e lute, venha e conquiste, mesmo que se frustre, mesmo que doa, mas isso é a vida.
É bem comum presenciar pais mais egocêntricos do que os próprios filhos. Muitos pais não amadureceram o bastante para compreender que disputar brinquedos, o lugar na fila, quem vai dar a mão para a professora, quem será o ajudante naquele dia, que situações assim são dos filhos e não deles. Quando procuram a escola para resolver tais questões, além de passarem um atestado de despreparo total para a parentalidade, estão impedindo seus filhos de crescerem, que essas são as suas lutas e, com elas, aprenderão a enfrentar as lutas maiores que a vida sempre vai lhes trazer.
Pais que procuram a escola para resolver problemas que seus filhos têm condições de resolver vão se deparar com os filhos no ensino médio e eles tendo que ir à escola para resolver problemas de trabalhos em grupo, por exemplo. A criança bem resolvida depende de pais que sabem dar autonomia desde sempre. E não me venham com essa história de que as crianças não dão conta disso não, elas dão sim, basta permitir que façam.
Os conflitos na primeira infância, na escola infantil, são extremamente ricos e necessários para que tenhamos adultos bem resolvidos, autônomos e responsáveis por seus atos. Quem não aprende no berço da vida, no jardim da infância, a ter autonomia, vai crescer dependendo dos pais para sempre. Serão adultos inseguros e que não sabem lidar com as frustrações que a vida vai lhes proporcionar.
Querendo ou não, o mundo vai brincar de bandido com seu filho em determinadas épocas, ele não será seu bebê que você poderá colocar no colo e acalentar. O mundo pode ser “cor de rosa”, como queremos que seja para nossos filhos, mas também será escuro, colorido, terá tons pastéis e berrantes, será sempre uma caixinha de surpresas e, nós, pais e professores, não teremos o poder de evitar sofrimentos. O que podemos, devemos e temos a obrigação de fazer, é preparar essas crianças para lidar com esse mundo tão diverso, ora encantado, ora, um desastre. Então, bora lá educar para desafiar, dar autonomia e deixar que experimentem as frustrações enquanto estão, literalmente, em nossos colos.
Com afeto,
Jacqueline Caixeta