Meu ano de descanso e relaxamento… #sóquenão

Amanda Tolomelli Brescia

Este é o título de um livro, de Ottessa Moshfegh, lançado no Brasil pela editora Todavia (tenho gostado das publicações desta editora), no ano de 2019, e a primeira vez que li esta capa pensei: É sério que tem alguém nesse mundo de pandemia que está achando que estamos em um ano de descanso e relaxamento? Porque por aqui (na minha vida e nas de quem eu acompanho) as coisas estão em um nível de pouco descanso ou quase nenhum relaxamento… ou vice-versa!

Estamos isolados, no meio (há quem acredite que estamos mais para o fim da pandemia, tiro o meu chapéu para tamanho otimismo) de uma grandessíssima (em tempo e em extensão) pandemia, nos sentindo mal, com medo, ansiosos, sem emprego, depressivos ou, como li hoje em um artigo de um jornal, definhando… Confesso que me senti péssima quando li que estamos definhando, mas quando compreendi que definhando é melhor que estarmos depressivos e fiquei mais satisfeita (como estamos nos contentando com pouco, né?).

Tem pessoas acreditando que não deveríamos contar esse um ano em nossas vidas, esse um ano deveria ser cancelado! Um ano cancelado? Não! Não! Não! Tem tanta coisa acontecendo! Tem gente nascendo, tem gente aprendendo a ler (concordo que com muuuuito mais dificuldade), tem gente casando, separando, engravidando, tem gente se formando! E aqui deixo o primeiro convite: E se tentássemos pensar que não foi um ano cancelado, mas que foi um ano que saímos do piloto automático, que tivemos movimentos e momentos diferentes, que aprendemos coisas que nunca acreditamos que aprenderíamos (como dar aula pela internet, por exemplo), e que aprendemos de forma diferente também! Não dá pra achar que esse ano foi cancelado e sim que isso também vai passar! Convido então para que a gente tente fazer desse momento (que infelizmente eu não acho que esteja acabando) um momento de reflexão, de presença, de identificação e de vivência dos nossos sentimentos… Está com raiva? Sinta essa raiva! Está com medo? Sinta o seu medo! Estes sentimentos também vão passar…

Estamos vivendo em um momento em que para termos segurança sanitária, precisamos nos isolar, e isso é uma questão que psicologicamente pode não ser tão seguro. O isolamento, o uso desenfreado de tecnologia, a mudança que fomos obrigadas a estabelecer com a nossa forma de ver e viver neste mundo pode não ser social e emocionalmente seguro… ok, mas o que isso tem com o livro que você está mencionando lá no início do texto? 

O livro trata de uma personagem que resolve dormir por um ano inteiro, fazer daquele o seu ano de descanso e relaxamento (e se você sentiu um pouco de inveja e pensou o quanto ela é esperta, você não está sozinha, pois eu também pensei e pensei no quanto isso pode ser confortável ou reconfortante).

Se isolar do que teoricamente precisaria enfrentar (no caso da personagem a motivação não fica muito nítida), querer ser uma pessoa diferente quando passar este um ano (no nosso caso, queremos uma realidade médica-sanitária diferente quando acordarmos deste um ano), é a solução?

Alienação, negação… O excesso de informação é adoecedor, mas a negação também é… Sabe quando estamos brincando com uma criança (um bebê, na verdade) e escondemos o seu brinquedo e ela não o procura, o brinquedo “deixa de existir” … Será que a negação que tantas pessoas vivem de negar a ciência, negar a vacina, negar os fatos, negar o COVID-19, é uma forma que elas encontram de achar que estas questões não vão existir mais? Pensamento infantil, este… Se eu não aceito, não ouço o que é comprovado cientificamente, não discuto com provas científicas (claro!), as coisas não existem… Se eu durmo um ano inteiro, os problemas simplesmente deixam de existir… 

O livro fala dessas nossas dores (e de todo mundo) com muito humor, mesmo que seja com o mau humor e o isolamento da personagem que acaba trazendo sorrisos para nós, leitores! A arte, a ficção, a literatura são “fugas” tão fundamentais neste momento em que nós precisamos nos nutrir de coisas que reverberam positivamente em nós… Deixo então mais um convite… Leiam mais, divulguem mais livros, artigos, poesias que nos façam ter bons pensamentos, boas emoções… Vamos juntas sair deste momento (não sei se melhores, mas com certeza diferentes)!

Em um podcast que ouvi com uma análise deste livro, a psicanalista Maria Homem de Melo disse uma frase que gostaria de encerrar com ela e que serve para TUDO na vida e não só para a pandemia de COVID-19: “Viver a dor, dói. Mas o trabalho que a gente faz para não viver a dor, dói também”.


Imagem de destaque: Todavia / Divulgação

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