Fragmentos e estratégias

Maria Aparecida Oliveira Rodrigues¹

A educação e o trabalho têm aspectos muito variados, numerosos demais para que um único sistema possa envolver a todos. Para que possamos intervir contra a propagação de teorias nocivas, às vezes criminosas que repercutem e se encontram na ordem social inteira, é preciso uma melhor análise desse panorama, um caminho possível é recolher e compreender alguns fragmentos destas realidades, aproximando-os, comparando e unindo-os aos novos e múltiplos aspectos da realidade que descobrimos todos os dias. 

A Educação de Jovens e Adultos como educação de qualidade social nos impõe a reflexão sobre a categoria trabalho uma vez que valoriza os saberes dos educandos trabalhadores na perspectiva da legitimidade desses saberes. Como equilibrar o corpo social, ignorando os sujeitos? A invisibilidade desses sujeitos é uma questão que se evidencia quando analisamos a relação trabalho-educação. Relação essa que em seus fundamentos ontológicos aponta para uma plena identidade entre esses dois elementos, e que mais adiante ao longo da história traz o fenômeno da separação entre trabalho e educação e na modernidade a discussão se instala restabelecendo os vínculos entre esses dois fatores por meio do antigo e tão atual debate sobre a educação politécnica.

Os fragmentos que traremos aqui falam da dimensão de totalidade do processo de trabalho que muitas vezes não pode ser percebida sem a aproximação e devida discussão dos elementos epistemológicos dessa experiência. O mundo do trabalho na contemporaneidade traz aspectos herdados do Fordismo, naquela época, as esteiras rolantes implementadas nas fábricas visavam o domínio e controle do trabalho e de seus processos. Hoje, as capas asfálticas que pavimentam as ruas e rodovias, são também meios de possibilitar o tráfego intenso para transporte de mercadorias. Aos mesmos sujeitos  aos quais foi, e ainda é, negado o direito à educação, é negado também o direito de escolha do tipo de trabalho que vão desenvolver. As quentes mantas de asfalto que são dispostas nas vias públicas, muitas vezes em trabalhos noturnos repletos de periculosidade, são feitas por trabalhadores que não tiveram acesso à educação escolar. Essas mesmas vias possibilitam agilidade aos motoboys que executam o trabalho de transporte com maior agilidade e otimização de custos. Esteira rolante essa que viabiliza a precarização das condições de trabalho, pondo em risco a vida de milhares de trabalhadores vulneráveis às intemperes do trânsito, ao contágio pela covid-19 e submetidos à invisibilidade. Trabalho no qual a logística da entrega é visível e pode ser acompanhada em todo seu percurso por meio de aplicativos, no entanto, os sujeitos que o realizam são mantidos sob o anonimato, sob um capacete, sob um estigma, sob a perspectiva subalternizadora do capital humano.

É preciso garantir o direito à educação, garantir processos de alfabetização nos quais os sujeitos consigam mais do que separar ou unir sílabas, entoar hinos ou citar referências. É preciso ir além do impulso formidável da crítica aos modelos do determinismo e do monismo, crítica essa que não deve servir somente para deslocar os apetites, e substituir as opressões do passado por um despotismo novo, ainda mais intolerável. É urgente nos atentarmos para o desmonte dos coletivos que acontece por meio de processos de fragmentação e invisibilidade. Pois, os coletivos funcionam como elos de interseções que tornam possível a compreensão da realidade e a transformação da mesma, seja na Educação de Jovens e Adultos ou em todo o sistema educacional brasileiro, como nos processos de trabalho e nas relações trabalhistas em suas novas vestimentas que cobrem antigos mecanismos de repressão e controle. 

Que possamos fazer do trabalho pedagógico, um espaço coletivo onde os sujeitos trabalhadores consigam identificar e questionar a divisão do trabalho e a hierarquia de saberes como elementos que definem a inexistência ou existência precária da educação, da alimentação, das interações e ainda, do trabalho realizado como experiência de servidão. É tempo de continuar lutando, por meio do labor consciente, concatenar ações co-le-ti-vas e ensejar novas relações sociais com a presença do Estado na garantia dos direitos humanos. 

1 – Professora na Rede Municipal de Educação de BH. Especialista em Educação de Jovens e Adultos pela FaE/UFMG. Mestranda da Linha de EJA no Promestre. 


Imagem de destaque: Agência Brasília

 

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