Era uma vez, no reino encantado da tecnocracia, um ministro que não gostava da educação… – exclusivo

Marcus Aurelio Taborda de Oliveira

A tecnoburocracia não é prerrogativa do atual governo ou dos Partidos que lhe dão sustentação. Mas não deixa de ser chocante como recentemente elesabriram mão de quaisquer princípios históricos – dirão alguns que isso não existe no mundo da política! – para, pasmemos todos, ressuscitar a cantilena da Teoria do Capital Humano e da educação como vetor do desenvolvimento econômico. Pelo menos é o que evidencia a recente entrevista de Aloizio Mercadante, Ministro da Educação pela segunda vez, à Folha de São Paulo, no último dia 28 de novembro. A peça discursiva do ministro, não fosse o seu tom de programa-panfleto, poderia ter vindo da mente e da boca de qualquer tecnocrata a serviço do PRN de Collor de Melo, do PSDB de Fernando Henrique Cardoso e Paulo Renato e Souza ou dos PMDBs de Sarney, Temer, Cunha, Calheiros. Isso para não falar daquela gente como o Antonio Carlos Magalhães, Jorge Bornhausen e que tais. Ou, bem pior, de alguns tecnocratas que povoam o discurso populista-desenvolvimentista que tem marcado o Brasil desde a década de 1950, pelo menos. Enfim, triste Programa de governo este que é atemporal e se atualiza cada vez que os mais ricos acham que têm alguma coisa a perder. Triste ver esse programa atualizado por quem deveria fazer o contrário!

Não quero falar do Ministro, por quem não nutro nenhuma simpatia, e a quemvejo como um típico subproduto do fisiologismo político que prevalece no Brasil. Quero refletir sobre algumas das alegadas urgênciaspara tirarmos o Brasil do corredor da morte educacional, como a sua fala faz supor.

Uma das primeiras grandes falácias que a tecnocracia tentou impingir no Brasil, mesmo antes da ditadura civil-militar e ainda hoje, é que a educação é um fator de desenvolvimento econômico. Não entendo muito de economia, além da administração da minha própria casa e dos projetos que administro no âmbito do meu exercício de funcionário público. Mas basta uma rápida passada de olhos na história brasileira para observarmos que, por aqui, o desenvolvimento econômico se deu independentemente dos investimentos na educação pública. Há alguns anos atrás Luiz Inácio Lula da Silva e seu governo jactavam-se que o Brasil era a sexta economia do mundo. Independentemente da megalomania da afirmação – afinal, que diferença ser a oitava, a sexta ou a primeira e ter uma das piores distribuições de riqueza do planeta? – esse resultado não tem relação direta com a educação. O capitalismo brasileiro conseguiu produzir uma das maiores economias do mundo à revelia dos investimentos em educação, saúde e tantos outros direitos sociais, para alguns, “serviços”, para outros, destinados aos mais pobres. Não deveria espantar, pois, que uma das maiores economias do mundo, se considerarmos critérios puramente quantitativos, como gostam os tecnocratas, tenha uma das “piores” estruturas de educação do planeta, como tentam nos lembrar o tempo todo. Mas como tecnocratas não têm tempo para a história, e como ninguém quer discutir que crises econômicas são produzidas, assim como as políticas podem sê-lo, então a educação precisa ser reformada para que tenhamos uma potente ferramenta de superação da crise e avanço econômico. Falso, e qualquer educador – não é o caso do Ministro, claro! – sabe que a educação não pode nada, por si mesma, em relação à economia e à política.

Gasta-se muito e gasta-se mal no Brasil, em relação à educação. Muito se tem dito sobre isso, mas pouco têm feito o Estado brasileiro para reverter essa dinâmica. A precariedade da maior parte das escolas públicas brasileiras impõe a falta de equipamentos adequados, tais como bibliotecas, laboratórios, quadras esportivas etc.; a solução oferecida pelo Ministro da Educação é investir nas tais Parcerias Público Privadas – as PPP, mesmo que os parceiros sejam empreiteiras atoladas até o pescoço na corrupção de obras públicas. O professor brasileiro é vergonhosamente remunerado? A solução é pagar por produtividade, com bônus, para que se instale uma “saudável competição” entre eles. O professor das escolas públicas brasileiras precisa trabalhar em vários lugares, com condições precárias de deslocamento, desperdiçando um tempo que poderia ser de preparo didático-pedagógico? O remédio é “profissionalizar” os professores para que eles não matem os seus alunos, segundo a infeliz analogia de Mercadante. Todas essas questões são da ordem econômica, mas nenhuma está no rol de preocupações do Ministério, assim como não parecem estar nas preocupações da diretora do Banco Mundial para a Educação, Claudia Costin. Ela entende, entre outras coisas, que garantir na carreira dos professores públicos um tempo de 30% da carga horária para a sua organização pedagógica eformação continuadarepresenta uma “bomba fiscal” incapaz de ser enfrentada pelos cofres públicos (FSP, 12/11/2015). No que difere a retórica da ex-secretária de Educação do Rio de Janeiro na gestão peemedebista e ex-quadro do segundo escalão do Governo FHC, da atual retórica petista?

Não podemos negar que tivemos alguns avanços em vários planos nos últimos anos, no Brasil, inclusive na Educação. E é justamente aí que reside a indignação de tanta gente: como se pode permitir, em nome de qualquer tipo de governabilidade espúria, que voltemos 10 passos atrás em relação a um ou dois que demos para frente? Como é possível, depois de tantos indicadores oferecidos até por instâncias estatais muito reconhecidas e respeitadas como o INEP, que continuemos fingindo que os problemas que afetam a educação brasileira, como de resto, outras dimensões no âmbito dos direitos, não são da esfera política? Quando o ministro reivindica as PPP, convoca o empresariado, enaltece a competência do Sistema S, fala em bônus e produtividade sem tocar na dimensão política, ficamos sem saber, afinal, se existe um projeto alternativo para o país fora da jogatina “política” de Brasília. Porque essa retórica, além de falaciosa, se esgotou até mesmo nos países que os tecnocratas costumam reverenciar, tal como a Coréia. Mas aqui, onde sempre verdejou o embaralhamento entre a gestão da coisa pública e os interesses de grupos e subgrupos privados, mais uma vez o problema é o professor, sua falta de preparo, sua falta de comprometimento, sua falta de profissionalização. E são problemáticas, também, as universidades que insistem em tentar fazer os futuros professores pensarem, oferecendo fundamentos sócio-histórico-filosóficos para entenderem porque o Brasil deu no que deu, parafraseando Darcy Ribeiro. O argumento é interessante: é preciso corrigir a péssima formação dos professores oferecida nas universidades. O Ministro está atualizado, pelo menos, pois reconhece que a grande maioria desses professores é formada pela iniciativa privada em cursos de qualidade mais do que duvidosa. Mas ele parece desconhecer que parte desse processo se deu pelo esforço dos governos que ele representa! Ou seja, ao propor um conjunto de medidas para melhorar a educação brasileira, o Senhor Ministro não só foge do que é essencial – a educação não é uma questão técnica-econômica, mas política – como acredita que somos todos bobos e não temos memória. Não espanta que repita a cantilena que muitos empresários têm tentado impor às políticas públicas.

Essa cantilena se atualiza, ainda, na defesa de uma base curricular centrada na aprendizagem e não na formação. Aprendizagem que parece se reduzir ao ensino da língua portuguesa e da matemática. Isso evidencia todo oreducionismo canhestro da mentalidade tecnocrática: alguns poucos rudimentos de alguns poucos conhecimentos para que as crianças possam ser os jovens do futuro a alimentar um exército de reserva de mão de obra que vai maximizar a desigualdade social deste País.

Não, Ministro, o Senhor mais uma vez está errado. Ao defender, como fez, um ajuste fiscal que pune os que mais precisam com a queda do emprego, corta recursos da saúde, da proteção aotrabalhador, da educação, sem qualquer menção aos mais ricos e poderosos, o Senhor não consegue justificar o seu empenho em defender a educação. Cortes em programas exitosos, paralisação de obras, aumento da precariedade do trabalho dos professores, aumento da burocratização travestida de profissionalização, redução de quadros em órgãos chave como o INEP, as agências de fomento, o MEC, como tem destacado a mídia (OESP, 01/12/2015), não permitem sustentar que a sua preocupação seja com a educação, de fato, mas com o que ela pode agregar de valor aos interesses daqueles que o sustentam nos daninhos jogos de poder da “grande política” das alcovas de Brasília.

Ao reclamar de maneira obsessiva que temos uma herança daninha, procedimento típico daqueles que se arvoram em porta vozes do “novo”, o Ministro parece esquecer dois aspectos. Primeiro, se considerarmos que estamos vivendo o quarto mandato do seu partido à frente do Governo, então alguma responsabilidade ele tem nessa herança. Segundo, e mais grave, ao requentar todo um conjunto de argumentos sobre a necessidade de uma reforma econômica da educação, a fala do ministro pode muito bem ser considerada parte constituinte dessa herança maldita. O ministro parece que veio, pela segunda vez, reforçar o desserviço que muitos têm feito à população mais pobre do país, aquela que frequenta, quer e precisa de uma boa escola pública – como têm mostrado os estimulantes jovens secundaristas de São Paulo, atentosao que a canção popular já consagrou. Diante da tecnoburocracia representada pelo discurso do Ministro de plantão na pasta da Educação, “é preciso estar atento e forte!” Pois esses jovens vêm mostrando, na contramão do que supõe a fala esquemática do ministro, que nem todo mundo é tonto na terra de Pindorama!

Referências:

Brasil criou bomba fiscal na educação, diz diretora do Banco Mundial 

Mec extingue secretarias e fará cortes

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