Por Luciano Mendes de Faria Filho
A cada crise econômica que vivemos, ou a cada grande universidade pública que entra em dificuldades, os arautos da privatização bradam mais alto seus clamores pelo fim da gratuidade nessas instituições. Não foram poucos os que defenderam que essa era a única forma de enfrentar a “crise da USP”, nossa mais importante universidade, e, agora, tão logo as mantenedoras de instituições privadas de ensino superior deram as senha, os jornais voltaram a carga com argumentos aparentemente convincentes: “Além de corrigir uma distorção social, a medida [o fim da gratuidade] ajudaria a equilibrar os orçamentos deficitários das universidades, e contribuiria para o reequilíbrio das contas públicas”, afirma o editorial d’O Globo do dia 24/07.
Não vou retomar aqui o engodo dos argumentos apresentados pelos defensores dessa solução, pois os mais fundamentais foram apontados pelo excelente texto do deputado Jean Wyllys publicado pela Carta Capital analisando o editorial d’O Globo (ver também o ótimo texto do prof. Gustavo Castañon, da UFJF, a respeito do mesmo editorial). Mas é impossível não lembrar que se a preocupação dos arautos da privatização das universidades fosse mesmo com a “injustiça” de as mesmas serem frequentadas pelos ricos – um dos engodos do argumento, como sabemos – bastaria que tais grupos empresariais, intelectuais e políticos apoiassem os projetos que buscam cobrar mais impostos dos mais ricos, conforme defende Jean Wyllys no texto da Carta Capital:
Estabeleçamos um tributo adicional para as faixas mais altas do Imposto de Renda (depois de mudar a tabela para que estas sejam pagas pelos ricos de verdade e não pela classe média) que alcance os cidadãos com alta renda que estudaram e se formaram numa universidade pública, e destinemos esse dinheiro a um fundo especial para abrir mais vagas e pagar bolsas de permanência para os estudantes mais pobres.
Como sabemos, em apenas meia dúzia de países a privatização do ensino superior assumiu proporções com a que temos no Brasil: aqui apenas 24% das vagas são públicas! Também sabemos que a privatização em lugar algum tornou a universidade mais inclusiva e frequentada pela população mais pobre. Mas, tais dados de realidade não podem ser levados em conta quanto o que se quer, na verdade, é usar o argumento do “combate” à crise e à injustiça social para defender, de fato, políticas que levam à manutenção e à expansão de nossas vergonhosas desigualdades econômicas e sociais, as quais se manifestam de forma escandalosa nas desigualdades escolares.
No entanto, se a crítica à falácia dos argumentos apresentados em defesa da privatização é fundamental, ela não é suficiente se queremos enfrentar o problema do ensino superior brasileiro. Tão grave quanto a participação pública na oferta de vaga é o fato de que o número destas, somando-se as vagas públicas e privadas, é irrisório diante da demanda pelo ensino superior: apenas em torno de 20% dos(as) jovens entre 18 e 24 anos estão ou estiveram matriculados neste nível de ensino.
A questão que se coloca para nós que queremos expandir as funções republicanas do ensino superior é, pois, duplo: defender a sua gratuidade e, ao mesmo tempo, a sua expansão. Mesmo em tempo de crise! Se as razões para a necessidade da gratuidade do ensino superior público já estão razoavelmente estabelecidas, ainda que sejam controversas, o mesmo não acontece com os modelos possíveis para a expansão das vagas nesse nível de ensino. Sabemos a expansão que não queremos, mas não há muito consenso sobre a que queremos!
Há os que defendem que a expansão do ensino superior deve se fazer exclusivamente no modelo universitário. Há, ainda, os que defendem uma expansão híbrida entre o modelo universitário e aquele representado pelos atuais Institutos Federais de Ciência e Tecnologia. Certamente há outras propostas e outros modelos que não logram maior visibilidade.
Parece-me que, se queremos expandir o ensino superior público para 60% ou 70% dos jovens entre 18 e 24 anos, como nos países do primeiro mundo, dificilmente o faremos se seguirmos exclusivamente o modelo universitário, que supõe estruturas e investimentos em ensino, pesquisa e extensão. Devido ao custo, a expansão de tal modelo para os níveis acima indicados, inviabilizaria o investimento adequado na educação básica, mesmo que empregássemos 10% do PIB em educação. Ademais, há que se perguntar se tal modelo é realmente o que melhor garantiria avançarmos na diminuição das desigualdades sociais e econômicas no Brasil e, por conseguinte, das desigualdades escolares no país. Talvez seja por essas razões que países muito menos desiguais do que o nosso não optaram por expandir o ensino superior pro meio da expansão das vagas nas universidades, fundamentalmente.
Enfim, esse é um debate que temos que enfrentar. Como expandir o ensino superior público brasileiro? Qual(is) modelo(s) expandir? Como financiar essa expansão sem comprometer ainda mais a manutenção da educação básica? E, fundamentalmente, como fazer com que expansão contribua para a diminuição de nossas desigualdades e não para sua manutenção ou expansão?