Há poucos dias, um professor de duas instituições de nível superior do Paraná empregou um ditado popular em desuso em uma de suas aulas. Para reforçar o que acabara de dizer, afirmou que quando estupro é inevitável, o melhor é relaxar e aproveitar. Tentando adiantar-se a possíveis críticas, admitiu, antes da desastrosa intervenção, que empregaria vocabulário chulo, pedindo às moças presentes que de antemão o desculpassem (os rapazes não desaprovariam o disparate?). Houve reclamações à direção da faculdade e o professor se retratou, mas tendo sido o ato considerado insuficiente frente à manifestação, foi demitido. A demissão se estendeu à outra instituição em que ele atuava.
A afirmação do colega foi vista como apologia ao estupro, crime hediondo e ponto culminante de uma cultura que tem a mulher como vítima e a violência como método. O demitido, em momento de autocrítica, lembrou do machismo estrutural que nos constitui, no que tem razão.
Em 2007, em meio a uma crise aérea que desorganizou o país, a então Ministra de Estado do Turismo, Marta Suplicy, saiu-se com um “relaxa e goza, porque depois você esquece todos os transtornos”. Todo o passado de sexóloga não foi suficiente para salvá-la do deslize que lhe causou duras e merecidas críticas.
Dezoito anos antes, em campanha para presidente da República, Paulo Maluf vaticinara o seguinte: “O que fazer com um camarada que estuprou uma moça e matou? Tá bom… Tá com vontade sexual, estupra, mas não mata!” Enquanto esteve na ativa, o melancólico personagem se defendeu dizendo que suas afirmações teriam sido tiradas do contexto em que foram proferidas. Todos sabemos quem foi Maluf, político que emergiu na ditadura civil-militar inaugurada em 1964 e que manteve a coerência até seus últimos dias de vida pública: sempre do lado errado da história. Ao contrário dele, Marta, malgrado os recentes equívocos que tanta decepção geraram, tem uma história política meritória.
Quando li na grande imprensa o imbróglio gerado pelo docente, chamou-me a atenção também um segundo tópico de seu discurso, o que ele disse antes e que o teria motivado à sua mais-que-infeliz declaração. Uma aluna esclareceu o início de tudo: “Um colega perguntou o motivo de os idosos não conseguirem se adaptar às novas tecnologias. O professor respondeu que, quando você é chefe ou dono de uma empresa e precisa demitir, não há escolha e deve mandar embora. Nisso, ele usou essa infeliz frase para dizer que o funcionário não tinha o que fazer e sim apenas aceitar, utilizando essa analogia”.
Pois bem, o chefe ou dono da empresa não tem escolha, precisa demitir os idosos que não se adaptam às novas tecnologias no trabalho. Então, não há margem, não há possibilidade, a forma civilizacional que escolhemos ou que, pelo menos, aceitamos, está dada como uma natural condenação.
Dizer que a adaptação é o único que se pode fazer, é colocar por terra toda uma tradição educacional moderna que pôs a autonomia como meta e requisito na constituição do sujeito.
Sua principal versão é a da utopia burguesa, liberal, aquela que prometeu a liberdade ao indivíduo em um mundo com igualdade de oportunidades, regras claras e ênfase no progresso. Tudo isso malogrou porque a promessa já era irrealizável em sua origem, e a máscara sequer precisa ser sustentada hoje, já que o cinismo acompanha o gozo pela indiferença.
Se um velho já não se adapta às novas demandas tecnológicas, particulariza-se o fracasso, afinal é ele o culpado pela própria inadequação; se há que o demitir, que pena, mas talvez isso seja bom para ele, tirando-o da zona de conforto e devolva-lhe a motivação, dizem os expertos em administração e gerência.
Que em uma aula esse quadro seja pintado como dado e imutável, é desolador. Há algo de muito errado quando a Universidade equipara mercado à sociedade, colocando-o como denominador último da existência. Não há dúvidas de que o primeiro é parte da segunda, e que sob o modelo civilizador a que chamamos capitalismo – ainda mais nessa fase de hoje – aquele alcança dimensões estratosféricas.
O problema, no entanto, repito, é a equiparação de uma coisa à outra e, por consequência, instrumentalizar a formação em nível superior para fomentar essa ordem. Um estudante pode pensar que, sendo um dos mais espertos de sua turma, será ele o patrão ou dono da empresa, ou que será o funcionário que, adaptado às novas tecnologias, suplantará o velho lento que se sente estrangeiro nos novos territórios em que a ergonomia, a flexibilidade e os fluxos de gestão são os parâmetros da língua e da cultura em geral. Isso talvez não aconteça assim, mas isso o universitário ainda não quer saber.
A naturalização da violência é destruidora da condição humana em seu sentido enfático, a fantasia patriarcal de que o estupro pode ser algo bom para a vítima, bastando que ela saiba aproveitar o momento – que, no fundo, seria seu desejo – é sua manifesta eloquente.
Tudo isso se associa à força autodestrutiva do capitalismo, um sistema que se mantém em pé porque a poucos convém, mas que segue firme e forte pela servidão de muitos. Seria bom que nós, no interior da Universidade, pensássemos um pouco melhor sobre essas coisas, principalmente quando estivermos muito convencidos de que estamos pensando e agindo de forma crítica. Afinal, nem sempre é o que acontece.
Sob o signo da morte, março de 2021.
Imagem de destaque: Freepik / gstudioimagen