Vamos comemorar o quê?

Dalvit Greiner

A próxima terça-feira será 7 de setembro, aniversário da Independência do Brasil. Uma data, um dia qualquer, não fosse o gesto de Pedro de Alcântara, às margens do riacho Ipiranga em São Paulo. Um gesto que precisou construir o seu significado já no dia seguinte.

Passados 199 anos precisamos, com urgência, não apenas reconstruir fatos – que por si só já têm significados diversos – mas, ressignificar o dia, os atores, os gestos. Precisamos tomar partido, sem esquecer as fontes, e perguntar: Vamos comemorar o quê?

Esse dia não nos lembra nenhuma luta popular, nenhum homem ou mulher de qualquer etnia indígena ou negra que conduzisse o povo brasileiro à sua libertação de um modelo opressor que havia se instalado por essas bandas em 21 de abril de 1500. 

O jornal O Campeão Português, editado em Portugal, num laivo de crítica e ciúme pela perda da Colônia, perguntava se “Tem direito o Brasil para se declarar independente?” No seu raciocínio, o articulista afirma que aqueles a quem chamavam opressores eram seus próprios avós e antepassados que haviam invadido essas terras. 

Para o articulista “à independência do Brasil só tem direito os índios indígenas, porque tem dentro de casa estrangeiros, que violentamente se apossaram de suas propriedades”.

Essa parte do artigo é muito bonita ao reconhecer os verdadeiros donos da terra, porém é preciso ler todo o artigo para entender as intenções do articulista. O seu raciocínio leva ao passado de 1500 ao afirmar que “enquanto essa posse durar, não pertence ela aos Portugueses que aí tem nascido, porém a toda a nação Portuguesa, porque toda ela e só ela, cumulativamente, concorreu para o descobrimento, conquista e povoação do Brasil”.

Em suma: no raciocínio do articulista, os descendentes de portugueses que aqui viviam em 1822 não tinham o direito de se declararem independentes de Portugal, pois se aproveitavam das conquistas de seus antepassados portugueses. Para ele, todos os portugueses, ou melhor todo Portugal, tinha direito aos bens que esta terra produzia. Por isso, aqueles que estavam aqui e declararam a independência eram vistos como traidores.

Em nenhum momento, apesar de reconhecer a invasão que aqui fizeram em 1500, o articulista defende a devolução do território aos indígenas, os verdadeiros donos da terra. Ao mesmo tempo reconhece que o direito de tornar o Brasil independente caberia apenas aos indígenas. 

Feliz contradição!

Em 1822, os portugueses, a maioria aqui nascidos, porém descendentes de portugueses, mantiveram o sistema de invasão e apropriação das terras e suas riquezas. Num arranjo entre si, apenas para não transferir riqueza para Portugal, declararam a independência do território.

Iniciaram a construção do Estado com apenas um objetivo: continuar o processo de avanço e legalização de tudo aquilo que amealharam, deixando para os seus descendentes o butim de sua guerra.

O que comemoramos em 7 de Setembro é isso: um arranjo entre os ricos em que os pobres, mulheres, negros e indígenas não foram sequer convidados. 

É uma festa de brancos ricos: eu não vou!

 

Para saber mais:

O CAMPEÃO PORTUGUEZ EM LISBOA ou o Amigo do Povo e do Rei Constitucional. Acesse aqui


Imagem de destaque: Foto de Gabriel Paiva. Acesse aqui

 

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