Nessa terça-feira, 12 de julho de 2022, o presidente da república associou a conduta de um médico anestesista, preso em flagrante pelo estupro de uma paciente no Rio de Janeiro, a uma suposta ideologia de esquerda praticada nas universidades e chegou a afirmar que o profissional publicou a imagem de “ídolo de esquerda” em suas redes sociais, sem informar a quem se referia e o contexto da publicação.
O que a primeiro momento parece absurdo e descabido, acende um alerta para as reais finalidades de uma narrativa acusatória e repleta de intencionalidades perversas. Quando o chefe do Executivo associa a notícia de um crime de estupro de vulnerável, em que a paciente estava sedada para a realização de uma cesariana, às universidades, é preciso redobrar o cuidado com o que vem ocorrendo ao longo de quase 4 (quatro) anos de governo e agora, destacadamente, com o que vem se configurando em período próximo às eleições presidenciais.
Não é novidade que a universidade é alvo frequente de ataques do governo vigente, com declarações como a de 2019, quando o presidente afirmou que o aluno da universidade no Brasil “faz tudo, menos estudar”, e com cortes de verbas que esmagaram o orçamento das instituições federais para 2022, com valor 14% menor do que no último período antes da pandemia. Contudo, associar a imagem da universidade a um crime de estupro, em que a vítima não tem qualquer chance de defesa, evidencia que não há limites para as declarações infundadas e repletas de ódio do presidente, que vem buscando recuperar o seu eleitorado para uma futura reeleição.
O presidente ainda fez alguns questionamentos que levantam suspeitas sobre a instituição, buscando associar a violência do crime cometido aos estudantes e professores: “a gente pensa, né, qual é a educação desse cara? O que aprendeu na faculdade? Lógico, aprendeu a ser anestesista lá, mas o que mais foi ensinado na faculdade para ele? O que tinha no centro acadêmico, qual a ideologia dessa universidade?”.
Os ataques às universidades seguem o padrão da campanha que contribuiu para a eleição do presidente em 2018, são baseados na desinformação e nas fake news disseminadas pela internet, destacadamente em grupos de whatsapp. Os apoiadores do presidente, aparentemente, compartilham da opinião de que as universidades são caras e de que as pesquisas relevantes no Brasil somente são realizadas em algumas poucas instituições privadas. O presidente já criticou a autonomia das universidades federais – garantida pela Constituição – e fez ameaças de redução de verbas às instituições que fizerem “balbúrdia”, entendendo “balbúrdia” como qualquer expressão livre e democrática de seus opositores.
O contingenciamento de verbas no ensino superior, que agrada aos possíveis eleitores do presidente, compromete o funcionamento das universidades e de todas as funções que elas mantêm, como hospitais, museus, escolas, atividades de extensão, pesquisas, entre outras. Os cursos na área de ciências humanas são o alvo mais frequente dos ataques dos líderes do Estado, pois têm uma relação menos visível com as melhorias imediatas na qualidade de vida da população e, supostamente, têm “forte influência de doutrinação marxista”.
Acusações de aparelhamento ideológico nas universidades, como o fez o presidente, estão carregadas de intencionalidade depreciativa das instituições federais e estaduais de ensino superior, que estariam, segundo argumenta, se aliando à ideologia de esquerda, a qual ele atribui um “histórico inegável de episódios violentos”. O discurso parece atender a uma dupla funcionalidade: denegrir a imagem das universidades, que oferecem resistência aos retrocessos nos direitos sociais conquistados pelas minorias, e associar atos de violência a opositores de esquerda, inclusive àqueles que estão nas instituições de ensino superior, de modo a agradar o seu eleitorado por duas vias.
No dia 11 de julho, o presidente já havia criticado a esquerda nas redes sociais pelo ataque de um bolsonarista que invadiu uma festa de aniversário e disparou contra um petista, resultando em morte. Em sua conta oficial, ao comentar o ocorrido, o presidente lembrou do atentado que sofreu durante as eleições de 2018, e de outros episódios de violência que, segundo afirmou, ocorreram em manifestações de esquerda, e também criticou os movimentos sociais. De acordo com o presidente, “é o lado de lá que dá a facada, que cospe, que destrói patrimônio, que solta rojão em cinegrafista, que protege terroristas internacionais… ”. É a essa imagem de violência que o chefe do Executivo busca associar as universidades, assim como a um crime de estupro.
Apesar de toda a opressão e das dificuldades impostas às universidades públicas, professores, estudantes e demais servidores, com apoio dos movimentos sociais, resistem aos ataques do governo e as instituições públicas de ensino superior se mantém como importante espaço de reflexão crítica sobre o mundo, assim como de oposição à ignorância e ao obscurantismo. Diante do que vem ocorrendo, a universidade pública precisa se manter firme na missão de forjar mentes conscientes, demonstrando a sua relevância para a transformação da sociedade e para a renovação política do país.
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