Quando lemos a literatura pedagógica publicada na última década deparamo-nos com um forte direcionamento para o atendimento das preferências e interesses de nossos estudantes. Reveste-se de novos sentidos o sonho claparediano de “uma escola sob medida”. Em textos anteriores nomeei este processo como “dispositivos de customização curricular” – deseja-se que o currículo seja construído a partir do enquadramento das experiências formativas que os próprios estudantes aspiram construir. Trata-se de uma inversão nos modos tradicionais de agenciar os currículos escolares – isto é, não mais selecionados pela tradição das disciplinas escolares e pelos conhecimentos historicamente acumulados nas variadas sociedades humanas. Adquire centralidade a capacidade de escolhas individuais de nossos estudantes.
Importante esclarecer que não considero que deveríamos privilegiar pedagogias coletivas em detrimento de formas pedagógicas individualizadas, como os leitores poderiam supor. Como sabemos, a individualização é um processo incontornável nos processos de formação humana. O que tenho colocado em questão é o posicionamento das escolhas individuais como único critério definidor dos processos de desenvolvimento curricular, que tende a nos distanciar das (necessárias) referências coletivas para a educação. A centralidade das escolhas individuais pode intensificar os processos de precarização da formação de nossos estudantes (e aumentar as desigualdades!).
Entretanto, nesta coluna, senti-me provocado a ampliar o escopo de minhas inquietações e perceber como estes dispositivos de customização são reivindicados em variados espaços. Um acontecimento se tornou pauta de sites especializados e também das redes sociais nos últimos dias: o capítulo final da série Game of Thrones que foi exibido no dia 19 de maio. A série de televisão norte-americana criada por David Benioff e Daniel Brett Weissé baseada em um conjunto de livros escritos por George Martin e tornou-se um fenômeno em vários países. Muitas foram as expectativas e os comentários em torno do desfecho escrito pelos roteiristas. Certamente minha intenção nesta reflexão não almeja discutir os aspectos abordados na série, mas gostaria de olhar com atenção para um fenômeno que aconteceu logo após a exibição do último capítulo e que, certamente, pode fomentar debates sobre o contexto atual. O fato que desejo chamar a atenção é a petição online organizada por fãs da série, que insatisfeitos com o desfecho apresentado, desejam que um novo capítulo final seja escrito e gravado. A petição organizada no site change.org tem como objetivo chegar a 3.000.000 de assinaturas e nesse exato momento já conta com1.521.872.
Sem entrar no mérito de avaliar ou a não a qualidade do seriado e sua abrangência nos públicos juvenis, interessa-me problematizar neste texto a consolidação dos dispositivos de customização curricular. Parece que contemporaneamente estamos diante de uma intensificação da gramática da individualização que conduz as juventudes a escolherem permanentemente. Não somente desejamos escolher, como estamos condenados a nunca deixar de escolher. O capítulo final de meu seriado? O desfecho de uma obra literária? A consolidação de uma teoria científica? O delineamento ético de uma ação humana? As intervenções econômicas de um grande banco? As condutas políticas de meu partido? As aprendizagens que devo ter em minha escola? Este conjunto de provocações serve para que voltemos a examinar nossos propósitos educacionais, de maneira que atendam às demandas subjetivas dos estudantes, mas que não abdiquem da tarefa coletiva que advém de nossa responsabilidade compartilhada pelo mundo. Em síntese: o excesso de customização está nos limites de nossa convivência democrática!
Imagem de destaque: Ian Tormo / Unsplash
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