Editorial da edição 275 do Jornal Pensar a educação em pauta –
Criado em 1998 para avaliar a qualidade do ensino médio, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) encontra-se, hoje, em plena pandemia provocada pelo novo Coronavírus, no centro de uma controvérsia sobre os rumos da educação brasileira e o papel dos dirigentes da República na ampliação das desigualdades educacionais no país.
Após passar por sucessivas modificações e ser objeto de acirradas discussões, o ENEM é, desde 2010, a pedra de toque de um dos maiores “vestibulares” do mundo: o Sistema de Seleção Unificada (SISU), que permite o acesso às universidades públicas brasileiras e a programas de financiamento aos alunos que estudam, geralmente por falta de vaga pública, nas instituições particulares de ensino superior.
A controvérsia, hoje, se refere ao fato de que o Ministério da Educação insiste em manter o calendário de realização do ENEM 2020, que prevê que as provas sejam realizadas em novembro. Especialistas e ativistas sociais argumentam que a manutenção do calendário ampliará as já enormes desigualdades escolares brasileiras e, ao mesmo tempo, retrocederá na crescente participação de alunos e alunas oriundas da escola pública nas universidades estaduais e federais brasileiras.
De fato, argumentam os defensores da escola pública, com a desigual distribuição de renda e, logo, das condições de acesso à internet e às condições de moradia e acompanhamento escolar que favoreçam o desenvolvimento das atividades escolares em casa, os alunos e alunas oriundos das escola públicas serão muito mais prejudicados pela situação de isolamento social pela qual passamos como forma de diminuir o ritmo de contaminação da população pelo novo Coronavírus. Tal situação pode ser agravada devido à falta de condições para que os(as) profissionais da escola básica brasileira possam ofertar atividades escolares de maneira remota para seus alunos e alunas.
Cinicamente, o Ministério da Educação responde, por meio do próprio Ministro da Educação e pelo Presidente do INEP, órgão responsável pelo ENEM, que não podemos perder tempo e que não cabe ao ENEM contribuir para a diminuição das desigualdades escolares no país. O que se observa, na verdade, é que, alinhado ao discurso e às práticas obscurantistas e criminosas do Presidente Bolsonaro, que defende o fim do isolamento social, o Ministro da Educação e seus auxiliares encontraram uma forma de fazer um Exame que expresse com a maior clareza possível as políticas educacionais defendidas pelo seu titular.
O Ministro Weintraub nunca teve pudor em mentir descaradamente em defesa de suas políticas educacionais obscuras e eivadas de racismo, machismo, LGBTfobia e autoritarismo. Não são poucos os processos a que responde justamente por agredir à verdade e aos seus adversários. É por demais conhecida a sua militância contra as universidades públicas e seus profissionais, assim como é reconhecido o seu desprezo pelo conhecimento, pela pesquisa e pelos(as) cientistas.
O ensino superior público brasileiro já é, hoje, um dos mais restritos do mundo, ofertando vagas para menos de 24% daqueles que logram fazer um curso superior no país. No entanto, mesmo assim, são públicas e explícitas as posições do MEC no sentido de frear a expansão da participação das vagas públicas no ensino superior, assim como o Ministro da Educação tem se mostrado reiteradamente contrário às políticas de expansão da entrada dos alunos e das alunas oriundas da escola pública nas universidades estaduais e federais, como a Lei de Cotas, aprovada no Governo Dilma Rousseff, em 2012. Por isso, também, o investimento dele e de seus auxiliares e seguidores em mudanças no ENEM para que ele possa expressar melhor as políticas defendidas pelo Governo Bolsonaro no campo da educação.
A verdade é que, mantida a realização do ENEM nas datas inicialmente estabelecidas, teremos um SISU que, mais do que nunca, será a cara do Ministro Weintraub e do governo Bolsonaro, que ele representa. O total desprezo que o titular da educação demonstrou ter, ao longo de sua gestão, pelas mais comezinhas formas de civilidade e respeito ao sofrimento e à dignidade humana terá, enfim, encontrado também uma forma de se expressar não apenas nos conteúdos mas também na forma de realização do Exame Nacional do Ensino Médio, como sempre quis o Ministro, seus apoiadores e seguidores. Para quem ainda não sabia, é bom avisar em alto e bom som: “A MALDADE NESSA GENTE É UMA ARTE!”