Tramas Pedagógicas

– a desigualdade social anula as expressões da cidadania –

Ivane Perotti

    “[…] A teoria emergia molhada da prática                     vivida.”

              Paulo Freire (grifo do autor)

Surge a manhã embrulhada em panos urdidos por linhas de apreensão.

O tear social trama distâncias abissais e o nó das possibilidades estreita o correr dos fios.

Semblantes amarfanhados pelo horizonte encoberto embebedam-se de inseguranças, quando não embebedam-se, apenas. A ressaca instala-se no universo das falas, das falácias, dos destemperos, das repetições: umbigos do mundo.

A resistência divide-se entre salvar o individual e manter o coletivo: hercúlea tarefa a prescindir dos doze trabalhos impostos ao filho de Zeus. Entre os mitos e os arquétipos, desliza a pedagogia da crise: negação.

_ Pai, eu quero um caderno.

_ Um caderno? Não dá, filho.

_ Você prometeu…

_ É…usa o caderno velho.

_ Tá cheio, pai.

_ Apaga, filho.

_ Não dá…

_ Então, escreve por cima.

_ Não dá…

_ Então…estuda aquilo de novo.

_ Já estudei, pai.

A manhã não se molha na realidade da vida. Bebe dela, mas não concede a todos o copo cheio. Meio copo? Um copo? Sem copo, o beber da educação perde-se entre as mãos em concha. A administração da crise destampa as fomes submersas e a desigualdade pedagógica chega todas as manhãs, quando no murmúrio das casas ecoa a ausência da escola.

_ Pai, preciso de um caderno.

_ …

_ Pai, preciso de uma televisão.

_ …

_ Pai, preciso de um celular.

_ …

_ Pai, preciso de um celular novo.

_ Qual?

A manhã das teleaulas, das aulas remotas, da “escola na pandemia” não equaliza as ilusões: o ciberespaço não é espaço comum a todos. Simplistas, negacionistas, projetistas e investidores em um futuro ainda mais opressor apertam os fios da trama e oferecem “uma” pedagogia de recuperação. Em regime excepcional, em caráter emergencial, o novo velho tecido pedagógico rasga-se em tiras finas. Há teia na teia. Há teia na veia. Figuras de linguagem são apenas recursos, variação linguística é ideologia e a língua produtiva, viva, retoma o caminho dos códigos. Que Noam Chomsky não descubra a in/glória de suas revisões.

_ É descuido?

_ É projeto!

A escola não pode ser substituída. Os conteúdos são integrantes da educação. Os professores não são ventríloquos e a educação, neste país, não é justa. Generalizar demandas e recursos pedagógicos é como afirmar que um método é o método, grande imbróglio sobre o acesso ao conhecimento, ao compartilhamento de saberes.

_ Não entre “nessa” de os alunos não terem acesso. Todo o mundo tem celular hoje em dia. E televisão? Ah! Qual é?

_ Não tem.

_ É claro que tem. E são melhores do que o meu, do que esse seu cel velho, aí…

_ Não é assim…

_ Tá negando a realidade, professora.

_ Estou olhando para ela.

A escola no Brasil não é justa. Em tempos de medo da morte, a morte da escola atende a interesses ainda mais nefastos. Quando as manhãs urdirão fios mais equânimes neste tecido social? Quando a cidadania passará a ser um projeto desta nação?

_ Talvez, aprender a tear …

Referência

FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não. 10ª edição. Editora Olho D’Água: SP, 1997.


Imagem de destaque: Priscila Paula

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