Elisabeth Monteiro da Silva
“Todo homem pardo ou preto pode ser general”, uma frase atribuída a Antonio Pereira Rebouças. Ele tinha sido denunciado ao Ministro da Guerra em julho de 1824 pelo presidente da Câmara de São Christóvão, capital da Província de Sergipe, que registrava: “Têm os malfeitores crescido, e são quase todos homens de cor, porque o Secretário Rebouças, homem pardo, os tem doutrinado e persuadido que todo homem pardo ou preto pode ser um general e eles tão ufanos têm se feito que altamente falam contra os brancos, chamando-os de caiados e já deixam de guardar aos constituídos em dignidade aquele respeito que até então guardavam”.
Uma das posições políticas relevantes que Antonio Pereira Rebouças ocupou foi a de Secretário de Governo da Província de Sergipe quando Manoel Fernandes da Silveira foi nomeado, por carta imperial, o primeiro Presidente de Província (05/03/1824 a 15/02/1825). Recebeu forte oposição por parte dos proprietários de terra (em grande parte portugueses), que compunham a elite econômica e política da província de um recém-independente Brasil. Na ocasião, recebeu o apelido de o “miserável neto da Rainha Ginga”, e aumentou o número de inimigos que já tinha. Era inadmissível para esses senhores que um mulato ocupasse o cargo de tamanha importância política, e principalmente por ser declaradamente contra o governo de Lisboa e a favor da Independência do Brasil. Seus opositores usaram de todos os recursos possíveis para derrubá-lo do cargo tão cobiçado e conseguiram seu intento após um ano, em 1825.
Antonio Pereira Rebouças (1798-1880) nasceu na Bahia, era filho do alfaiate português Gaspar Pereira Rebouças com a liberta Rita Brasília dos Santos, era o caçula de nove irmãos: quatro homens e cinco mulheres. Após a instrução elementar foi trabalhar como escrevente em um cartório. Dois de seus irmãos, José Pereira Rebouças e Manoel Maurício Rebouças, também optaram por seguir nos estudos e tornaram-se figuras reconhecidas no meio intelectual. Antonio Rebouças era autodidata e mesmo sem curso superior obteve, em 1821, autorização especial para exercer a profissão de advogado na Bahia. Posteriormente consegue autorização para atuar como advogado em todo o Império. Nesse ano inicia seus primeiros movimentos pela defesa da Independência do Brasil ao formar com um grupo de patriotas uma reação encadeada para confrontar o governo de Lisboa que tentava impor o seu domínio à colônia.
Em seus discursos sempre deu destaque à educação, como o caminho para sair do atraso e elevar a condição social do indivíduo. Uma figura singular marcada por posições antagônicas, pois ao mesmo tempo que defendia o direito do proprietário de terra (e dono de escravos), defendia o escravo em ações civis por liberdade. Era contrário ao privilégio das raças e pregava a igualdade de todos diante da lei. Difícil é imaginar cidadania e direitos civis, como os definidos na constituição de 1824, em um país marcado pela escravidão.
Contraste maior ainda é pensar como se constitui um sujeito mulato que milita por esses direitos em uma sociedade escravista, com alto índice de pessoas em condição de pobreza e analfabetismo.
Combativo, Rebouças usou da palavra escrita e teve uma extensa produção de discursos, peças jurídicas e artigos publicados em diversos impressos. Foi um intelectual proprietário de dois jornais: “O Bahiano: pela Constituição e pela Lei – 1827 a 1831”, composto em 4 páginas com notícias das províncias, as sessões da Câmara dos Deputados da Bahia, notícias estrangeiras, cartas dos leitores, avisos locais, e “O Constitucional – Abr. /Ago. 1822”. Sua rica biblioteca continha aproximadamente 2.000 volumes nos idiomas português, francês, italiano, o que para a época era considerado um símbolo de status e riqueza. Ocupou vários cargos públicos, foi deputado em várias legislaturas, conselheiro do Imperador D. Pedro II, recebeu o título de Oficial da Ordem Imperial do Cruzeiro, membro correspondente do IHGB.
Todo homem preto, toda mulher preta podem ser o que quiserem, ou deveriam poder. Rebouças, mesmo em suas contradições marcadas pela década de 1820, foi um homem que mobilizou o saber, as luzes da instrução, para defender as diferentes liberdades, do país e dos sujeitos ainda escravizados. Ele viveu num contexto no qual a escolarização, que molda e qualifica as gerações de acordo com o ideal estabelecido pelo Estado, que era forte possibilidade de mobilidade social e sinal de distinção e diferenciação, estava quase exclusivamente direcionada para os que tinham as melhores origens de nascimento, redes de sociabilidades e classe social. Rebouças foi um árduo defensor dos direitos civis (embalado pelo corolário da Revolução Francesa no século XVIII: igualdade, liberdade, fraternidade), do liberalismo econômico, da Independência do Brasil e das lutas contra a escravidão. Para tantos protagonismos apagados na história nacional, esse preto pode ensinar bastante para todos e todas nós.
1 – Doutora em Educação/UERJ, Pesquisadora do NEPHE (Núcleo de Ensino e Pesquisa em História da Educação), Bibliotecária do Colégio Pedro II-RJ.
Imagem de destaque: Biblioteca Nacional – O Novo Mundo: Periodico Illustrado do Progresso da Edade, 22 de fevereiro de 1875, v. 53, p. 1.