Fernanda Bichara*
Túlio Campos**
Na última matéria do Coletivo, trouxemos ao leitor questões relevantes sobre a infância, o racismo e a proteção social. Na urgência desse debate, elegemos destacar aqui outros pontos sobre a noção dos direitos das crianças e dos adolescentes. Paralelamente, tendo transcorrido o mês de julho, foi intensa a programação virtual em comemoração ao aniversário de trinta anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o que nos motivou igualmente a pautar o assunto.
Comecemos pelo que mais prontamente nos aflige. Todos os avanços constitucionalmente conquistados na pauta dos direitos humanos parecem estar ameaçados na pandemia e no mundo pós, conforme nos sugerem os números alarmantes de denúncias do Disque 100 e Ligue 80. Talvez já estivessem ameaçados antes, em se tratando de contexto brasileiro, mas a pandemia escancarou certas questões não resolvidas nos últimos trinta anos.
Quando analisamos que as condições de vida da ampla população adulta brasileira estão em disparado declínio, não podemos deixar de apontar as crianças e os adolescentes como os mais vulneráveis nessa cadeia de relações intergeracionais. De acordo com o relatório mais recente da Fundação Abrinq, em 2018, 46% das crianças e adolescentes de 0 a 14 anos viviam em condição domiciliar de baixa renda; 4,1% das crianças de 0 a 5 anos viviam em situação de desnutrição, e mais de 1,3 milhão de crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos estavam fora da escola. O estudo ainda destaca que 9,8 mil mortes por homicídios em 2018 foram cometidos contra crianças e adolescentes entre zero e 19 anos de idade. Entre estes, quatro em cada cinco vítimas eram negras.
No contexto pandêmico, as diferentes experiências de crianças e adolescentes frente aos desafios impostos pelo isolamento social reforçam as desigualdades de acesso aos direitos sociais, tais como a educação, a saúde, o lazer, a moradia digna, a alimentação e o transporte. Em outras palavras, o que deveria ser garantido, justamente por serem garantias constitucionais, acaba por ser marcado e demarcado pela ausência do Estado e/ou de políticas públicas. Soma-se a tal cenário o enfraquecimento dos órgãos protetivos, aqueles que já operam em condição de luta e resistência por falta de fomento e estrutura.
E a tão conclamada iniciativa de dar voz e vez às crianças e adolescentes torna-se cada vez mais distante. Fato é que não temos certeza se elas conhecem o ECA ou seus mais elementares direitos, para além da construção social que prescreve o “direito ao brincar, de ser feliz e ter amigos”.
Certo é o fato de que crianças e adolescentes, principalmente frente aos aspectos etários, não participam das soluções de seus problemas no Brasil, mas, paradoxalmente, a infância e a adolescência devem estar no centro dos debates de políticas públicas. Como assegurar o princípio da prioridade absoluta se ainda nos exercitamos para compreender o que é participação infantil e juvenil?
Soma-se ao debate a invisibilidade estatística e o desamparo de dados oficiais sobre a infância e adolescência brasileiras nos últimos anos. Desde 2016, por exemplo, o IBGE, referência nacional em dados oficiais, não divulga números sobre o trabalho infantil. E assim o que não aparece adquire contornos daquilo que, hipoteticamente, não existe ou não é problemático, desestabilizando políticas públicas e orçamentos que apoiam à garantia da cidadania e da proteção integral. Assim, a invisibilidade vai além de aspectos quantitativos, mas passa pelo que aqui nomeamos de “assujeitamento” dos sujeitos de direitos.
A própria noção de direito parece encontrar-se tão vulnerável quanto a infância e a adolescência brasileiras do mundo pandêmico. Perguntas-chavão dos passados julhos, tais como: “o que mudou com a implantação do ECA?”; “quais os avanços e impactos na vida de crianças e adolescentes?” parecem agora ser mais distantes. Nos questionamos neste momento se a Constituição Brasileira de 88 será respeitada, se o próprio ECA será reafirmado ou se o Brasil permanecerá signatário das convenções internacionais. Enfim, se os instrumentos jurídicos brasileiros, frutos de inúmeros processos históricos de luta pelos direitos sociais, permanecerão de pé.
Na medida em que exploramos inquietações e angústias no debate dos direitos da infância e da adolescência, não nos afastemos de valorizar o arcabouço jurídico e protetivo sob o qual o ECA sustentou mudanças de paradigmas na sociedade brasileira. Contudo, é preciso nos indagar sobre como avançar a partir daqui na garantia dos direitos para estes sujeitos de direitos. Considerando uma sociedade como a nossa, cunhada pela diversidade, esta questão adquire ainda mais relevância, se pensarmos a realidade de crianças e adolescentes dos grandes centros urbanos, da periferia, da área rural, dos assentamentos, das/dos atingidas por barragens, das comunidades indígenas, quilombolas e ciganas, dentre outras.
A proposição de diálogos parece ser uma das formas de avançar nesse debate. Convidamos todos a participar do “Seminário 30 Anos ECA: Entre a Ficção e a Ação”, de 17 a 21 de agosto de 2020. Este é um evento virtual proposto pelos estudantes da Linha de Pesquisa “Infância e Educação Infantil” (FaE/UFMG), pelo Coletivo Geral Infâncias e pelo Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Infância e Educação Infantil (NEPEI/FAE/UFMG), em colaboração com o Pensar a Educação, Pensar o Brasil (FaE/UFMG). Em breve mais informações.
* Pedagoga da Universidade Federal de Minas Gerais e Mestre em Educação. E-mail: febichara@bol.com.br
**Professor de Educação Física do Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais e Doutor em Educação. E-mail: tulio.camposcp@gmail.com
Imagem de Mücahit Yıldız/ Pixabay
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