Rebeca Cristina Nunes Lloyd Gonçalves
Flavia Renata Guimarães Moreira
No tocante à dignidade menstrual, trazemos para esta discussão o olhar sobre as pessoas que menstruam, nas diversas identidades e expressões de gênero presentes na EJA, assim, mulheres cisgênero, mulheres transgênero, homens transgênero e pessoas não binárias.
O relatório do UNFPA e do UNICEF, intitulado “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos” (2021), apontou um panorama da realidade menstrual vivida por meninas brasileiras a partir da discussão sobre a pobreza menstrual, dialogada com as questões que envolvem a saúde, a higiene, o acesso à água potável e ao saneamento básico. Nesse texto optamos tratar o assunto utilizando o termo “dignidade menstrual” na busca de ampliar o conceito por compreendermos o período menstrual como um período de ricas possibilidades na vida de uma pessoa que menstrua.
Da menarca até a menopausa, a pessoa que menstrua lidará com o ciclo menstrual e o minimamente aceitável é que o faça de forma dignificada. É de conhecimento público o relato de estudantes que mencionam ausentar-se das aulas, em virtude das questões que envolvem seu ciclo menstrual, dentre elas, a dificuldade para o acesso a absorventes. Na EJA, são percebidos vieses tanto relativos às dificuldades quanto aos cuidados com a higiene pessoal, por inúmeras questões relacionadas às vulnerabilidades e à precariedade.
O elevado custo de absorventes descartáveis leva muitas pessoas que menstruam a recorrerem a métodos inseguros para conter a menstruação, utilizando-se de miolos de pães, algodão e outros, em lugar dos absorventes higiênicos, sendo esta uma das representações da desigualdade social, pois evidencia faltas pelas quais estas pessoas passam mensalmente, podendo denunciar preconceitos referentes à desigualdade de gênero, sexismo e misoginia.
A Lei 14.214, de 6 de outubro de 2021, “institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual; e altera a Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, para determinar que as cestas básicas entregues no âmbito do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) deverão conter como item essencial o absorvente higiênico feminino” (BRASIL, 2022, on-line). Este é um importante avanço para a discussão e o tratamento da temática, já que o acesso a diversos tipos de absorventes higiênicos é escasso, sobretudo para as pessoas mais carentes.
Os (pré-)conceitos, estabelecidos não raras vezes sob o amparo da masculinidade tóxica, enaltecem práticas racistas, misóginas, sexistas e discriminatórias, deixando, às pessoas mais carentes, cargas maiores na luta diária pela vida, pela sobrevivência e pela dignidade. O direito à vida perpassa pela dignidade no trato menstrual. Não há argumentos sustentáveis contra isto.
Finalizamos com a reflexão sobre o atual cenário político ultraconservador vivenciado no Brasil, à medida que traz para o debate o contexto político nacional e transnacional das ofensivas antigênero (JUNQUEIRA, 2018; CORREA, 2018), no campo educacional, por meio dos retrocessos impostos pelo Movimento da Escola sem Partido e da vigília das escolas, que instalou o sentimento de pânico moral (MISKOLCI, 2007). Porém, temos uma potente alternativa de resistência articulada no estabelecimento de alianças (BUTLER, 2018) na gestão de políticas públicas e movimentos interinstitucionais, das redes de proteção social, a fim de tratar de temáticas inclusivas como a da dignidade menstrual.
Sobre as autoras
Rebeca Gonçalves é professora na Rede Municipal de Educação de BH, Doutoranda em Educação pela FaE/UFOP.
Flavia Moreira Professora na Rede Municipal de Educação de BH. Mestra em Educação pela FaE/UFMG.
Para saber mais
BRASIL. Lei 14.214, de 6 de outubro de 2021. Diário Oficial da União, de 18 mar. 2022. Edição: 53. Seção: 1. p. 2. Acesse aqui.
BUTLER, J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa da assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
CORREIA, Sônia. A “política do gênero”: um comentário genealógico. Cadernos Pagu. Campinas, n. 53, jun. 2018.
JUNQUEIRA, Rogério Diniz. A invenção da “ideologia de gênero”: a emergência de um cenário político-discursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero. Psicologia Política, São Paulo, v. 18, n. 43, 2018.
MISKOLCI, Richard. Estética da existência e pânico moral. In: RAGO, Margareth e VEIGA-NETO, Alfredo. (orgs.) Figuras de Foucault. Belo Horizonte, Autêntica, 2007.
UNFPA; UNICEF. Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos. Relatório do UNFPA e do UNICEF traça um panorama alarmante da realidade menstrual vivida por meninas brasileiras. UNICEF Brasil, maio 2021. Acesse aqui.
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