Solidariedade, ou Morte!

EDITORIAL Nº255, 4 de outubro de 2019

Uma das razões do sucesso do neoliberalismo é que ele não é apenas uma doutrina econômica, mas se instala nos corações e mentes das pessoas, é uma espécie de consciência do mundo e autoconsciência de si. As relações de competição desenfreada de todos contra todos, em que vencem os mais fortes e os mais aptos, custe o que custar, está no cerne do neoliberalismo e se espraia pelo conjunto das relações sociais e dos sujeitos consigo mesmos.

Num mundo desregrado proposto pelo neoliberalismo, a violência dos mais fortes, dos já instalados nas estruturas de poder, seja dos macros poderes seja dos micro poderes, é uma das garantias de que nada pode subverter a ordem estabelecida, fundadas na legitimidade do lucro e na garantia da propriedade como fundante da liberdade. Não por acaso, uma das formas ideológicas de justificação e legitimação da perversidade neoliberal é a meritocracia.

Os neoliberais convictos ou envergonhados querem nos vender a ideia de que são as diferenças de mérito que explicam as posições de poder e as desigualdades as mais diversas em nossa sociedade. Essa perspectiva é contrária à ideia de direitos e, muito mais ainda, à ideia de que é possível uma maior igualdade entre os sujeitos. Por que haveria o Estado que garantir direitos aos “perdedores”, aos “fracos”, aos “preguiçosos”? Por que pensar em igualdade se o que funda o mundo social são a competição e a desigualdade dos sujeitos?

O problema é, como sabemos, que o sucesso do neoliberalismo é a morte! A legitimação e as defesas enfáticas da competição como fundante das relações entre as pessoas e a mobilização da meritocracia como justificativa para as desigualdades, têm mostrado um potencial enorme para aniquilar as mais diversas relações de solidariedade e para produzir mais e mais mortes em todos os cantos do planeta.

A devastadora onda neoliberal, que vem, não por acaso, associada a um desprezo cada vez maior pela democracia e pelas instituições reguladoras da vida social, como o Estado, tem levado não apenas a uma absurda concentração de renda e de poder nas mãos de alguns poucos grupos nacionais e transnacionais, mas ao adoecimento e à morte em escala mundiais. E morte não apenas das pessoas, dos seres humanos, mas do conjunto da vida no planeta.

Se as políticas de morte pregadas e trazidas pelo neoliberalismo, tal como temos visto no Brasil hoje, convocam continuamente a violência e a competição como base das relações entre as pessoas, uma forma poderosa de combatê-las é cultivar a política e a solidariedade. A primeira, como forma e espaço de organizar as disputas pelos sentidos do mundo social e superar as assimetrias de poder e as desigualdades sociais, culturais, econômicas e políticas; a segunda, como forma e conteúdo do nosso combate cotidiano à competição e à corrosão das relações pessoais e institucionais.


Imagem de destaque: Marco Bianchetti / Unsplash

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Solidariedade, ou Morte!

Uma das razões do sucesso do neoliberalismo é que ele não é apenas uma doutrina econômica, mas se instala nos corações e mentes das pessoas, é uma espécie de consciência do mundo e autoconsciência de si. As relações de competição desenfreada de todos contra todos, em que vencem os mais fortes e os mais aptos, custe o que custar, está no cerne do neoliberalismo e se espraia pelo conjunto das relações sociais e dos sujeitos consigo mesmos.

Num mundo desregrado proposto pelo neoliberalismo, a violência dos mais fortes, dos já instalados nas estruturas de poder, seja dos macros poderes seja dos micro poderes, é uma das garantias de que nada pode subverter a ordem estabelecida, fundadas na legitimidade do lucro e na garantia da propriedade como fundante da liberdade. Não por acaso, uma das formas ideológicas de justificação e legitimação da perversidade neoliberal é a meritocracia.

Os neoliberais convictos ou envergonhados querem nos vender a ideia de que são as diferenças de mérito que explicam as posições de poder e as desigualdades as mais diversas em nossa sociedade. Essa perspectiva é contrária à ideia de direitos e, muito mais ainda, à ideia de que é possível uma maior igualdade entre os sujeitos. Por que haveria o Estado que garantir direitos aos “perdedores”, aos “fracos”, aos “preguiçosos”? Por que pensar em igualdade se o que funda o mundo social são a competição e a desigualdade dos sujeitos?

O problema é, como sabemos, que o sucesso do neoliberalismo é a morte! A legitimação e as defesas enfáticas da competição como fundante das relações entre as pessoas e a mobilização da meritocracia como justificativa para as desigualdades, têm mostrado um potencial enorme para aniquilar as mais diversas relações de solidariedade e para produzir mais e mais mortes em todos os cantos do planeta.

A devastadora onda neoliberal, que vem, não por acaso, associada a um desprezo cada vez maior pela democracia e pelas instituições reguladoras da vida social, como o Estado, tem levado não apenas a uma absurda concentração de renda e de poder nas mãos de alguns poucos grupos nacionais e transnacionais, mas ao adoecimento e à morte em escala mundiais. E morte não apenas das pessoas, dos seres humanos, mas do conjunto da vida no planeta.

Se as políticas de morte pregadas e trazidas pelo neoliberalismo, tal como temos visto no Brasil hoje, convocam continuamente a violência e a competição como base das relações entre as pessoas, uma forma poderosa de combatê-las é cultivar a política e a solidariedade. A primeira, como forma e espaço de organizar as disputas pelos sentidos do mundo social e superar as assimetrias de poder e as desigualdades sociais, culturais, econômicas e políticas; a segunda, como forma e conteúdo do nosso combate cotidiano à competição e à corrosão das relações pessoais e institucionais.


Imagem de destaque: Marco Bianchetti / Unsplash

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