“Sobre o autoritarismo brasileiro”, de Lilia Moritz Schwarcz

Cleide Maria Maciel de Melo

Os desafios à compreensão do momento político que vivemos no Brasil, hoje, não param de crescer. Frente às notícias, muito frequentemente, surpreendo-me perguntando: – E isso, agora? Esse “estado de perplexidade” e constante indagação frequentam corações e mentes daqueles e daquelas que fazem (e fizeram) da luta pela democracia, sua bandeira. Por isso, a guinada autoritária parece-nos estranha, um despropósito! O livro de Lilia Moritz Schwarcz (Sobre o autoritarismo brasileiro. Companhia das Letras, 2019) vem fazer coro a um sem número de livros e artigos produzidos com a intenção de alimentar nossas reflexões e, quem sabe, qualificar nossas posições.

É difícil escolher o que falar de um livro que “circula” na longa duração (desde os primórdios do descobrimento do Brasil), inclui um amplo quadro de variáveis e, com isso, procura capturar a densidade do tema abordado. Cada uma das variáveis, implicam complexidade. São elas, na ordem de apresentação: escravidão e racismo (incluindo o patriarcalismo), mandonismo, patrimonialismo, corrupção, desigualdade social, violência, raça e gênero, intolerância. 

O título aponta tanto os limites (não se pretende falar das origens do autoritarismo) quanto a amplitude: falar sobre!  Para amparar seus argumentos, a autora se articula com a produção dos pares citados na bibliografia, sem o uso do recurso das notas (não previstas para a produção). Além disso, reproduz muitas informações e dados obtidos em relatórios e documentos, com os quais dialoga. 

A “veia autoritária” sempre esteve presente na história do nosso país: nas ações dos primeiros colonizadores (senhores absolutos de grandes extensões de terra), dos bandeirantes, dos membros da corte, dos senhores de escravos, dos agentes públicos, só para ficar em alguns exemplos. Talvez seja possível afirmar, após a leitura dessa obra, que nossa longa história de escravidão tenha produzido mais efeitos na constituição do autoritarismo brasileiro que outra dimensão da vida social. A escravidão impacta quase que a totalidade das variáveis em torno das quais Schwarcz constrói suas reflexões sobre o tema. 

O recurso à História, que não é uma bula de remédio, segundo a autora, nos serve de lembrete sobre quem somos, quem fomos. Não que essa área do conhecimento explique o caráter abusivo das formas autoritárias do comportamento dos brasileiros, nem que nos arremeta no beco sem saída das permanências. Mas, sim, que nos ajude a desnaturalizar modos de agir e de pensar que, porventura, possamos considerar como dados, como ruas sem saída. 

Se a história como mestra da vida norteou a leitura do passado pela nossa elite intelectual dos oitocentos (e justificou a arbitrariedade/autoritarismo na condução da coisa pública), é sua dimensão crítica, hoje, que nos dá as ferramentas (talvez, chaves?) para escolhermos e agirmos em direção a outros rumos.

Algumas repetições (de noções, de frases/períodos) provavelmente indicam que o livro não teve o necessário tempo de gaveta, conforme recomendações de Carlos Drummond de Andrade. Em tempos de “aceleração da vida”, esse recurso pode representar um luxo a que o autor não permite se dar, especialmente no caso de uma obra que visa atender à demanda temporal (foram reiteradas as chamadas de venda prévia do livro e anúncio da data de seu lançamento). 

Outro ponto, diz respeito à ausência da problematização de muitos dados apresentados. Ao que parece, a autora mais se ocupou em mostrar a questão do autoritarismo num amplo espectro, uma visão mais à distância, que lhe possibilitasse maior abrangência. E o panorama resultante dessa escolha, de fato, é fervilhante em estímulos a novos estudos!

Que saídas o livro nos apresenta? Três pontos chamam a atenção. O primeiro, de feição utópica, refere-se à elaboração de um projeto de nação inclusivo e igualitário que poderia ser expresso num pacto constitucional amplo e democrático, firmado com os múltiplos setores da sociedade por meio da progressiva implementação de direitos e fortalecimento institucional. O segundo, diz respeito ao investimento numa formação educacional sólida, ampla e equânime… que possibilitasse a construção de uma sociedade mais informada, leitora, crítica e capaz de dialogar. Por fim, a importância da participação de cada um no combate às práticas autoritárias e na defesa do direito de todos.

10 de fevereiro de 2021 


Imagem de destaque: Companhia das Letras / Divulgação

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