Sobre luzes, sombras e visibilidade lésbica pedagógica no ambiente escolar

Juliana Perucchi

Rebeca Bussinger

Agosto é o mês da visibilidade lésbica e 29 o dia de luta dessa população que, com suas especificidades compõe a sigla LGBTQI+. Mas, o que significa visibilidade? No que ela consiste quando se lança um olhar interseccional? Reflitamos sobre a visibilidade e como se articula às reivindicações de mulheres que se relacionam afetiva e sexualmente com outras ou que se reconhecem como lésbicas, especialmente, no espaço escolar.

O debate em torno de se promover (ou tolher) visibilidade, deve ser precedido pela reflexão acerca do reconhecimento. Não se consegue reconhecer aquilo que não se legitima no horizonte do olhar ou do que não é evidente. Dito de outro modo, uma economia cognitiva posta em funcionamento pelas normativas de gênero – e classe, raça, geração, território – opera sobre a percepção, evidenciando ou escondendo, lançando luz ou sombra nas dinâmicas das sexualidades.

Se pensarmos sobre o quão visível o “amor entre mulheres” é nas ciências, não é incorreto afirmar que em muitas frentes o universo de experiências das chamadas “lesbianidades” esteve sob escrutínio. Em muitas destas frentes, o debate em torno das questões relacionadas à “educação sexual nas escolas” tomou tal experiências como foco, reiterando, muitas vezes, características da escola como instituição reguladora e de exercícios de poder para docilização e controle dos corpos que ali circulam. Pensar os pactos escolares em torno dessas estratégias de poder institucional, parece uma reflexão importante para o mês que acaba de findar.

Um texto recentemente publicado com o título “Formação e prática docente: sobre a visibilidade das professoras lésbicas” (Vianna e Carvalho, 2020) explora a questão da (in)visibilidade em contexto escolar. Constata que a educação se detém sobre a formação e atuação docente como objeto de estudos, sem, contudo, adentrar nas distinções de gênero existentes no interior da categoria docente, sobretudo, considerando-se que a presença de mulheres na carreira é explicitamente mais expressiva que a dos homens. Aspectos relacionados às questões de gênero no âmbito das sexualidades, por exemplo, têm sido gradativamente negligenciados nos estudos dessa área.

O preconceito é também algo a ser entendido, para que seja adequadamente combatido nos ambientes escolares. Seja para com professoras lésbicas quanto para com jovens estudantes que estejam vivenciando a constituição de sua própria sexualidade, em idade escolar. Vale destacar uma pesquisa internacional que culminou com a publicação em inglês daquela que ficou conhecida como uma das mais completas revisões gerais de literatura sobre professoras lésbicas e carreira pedagógica (Ferfolja, 2009), concluindo que a literatura internacional sobre o tema demonstra que o ambiente escolar é potencialmente hostil para professoras que se assumem como lésbicas. A instituição escolar, segundo o levantamento aqui citado, age de modo a controlar as sexualidades das profissionais por ameaças, medo, assédio, marginalização, discriminação, além de políticas educacionais preconceituosas e práticas institucionais excludentes.

É possível, portanto, diante de tantas adversidades, haver possibilidades de construção de uma visibilidade lésbica pedagógica no ambiente escolar? As autoras aqui citadas afirmam que sim, e nós, autoras do texto, concordamos. Entretanto, para que tais possibilidades se efetivem, as instituições educacionais precisam abdicar do “pânico moral” e se abrirem ao conhecimento transformador. Apenas havendo uma substancial alteração institucional, quando instituições de ensino constatarem a pertinência e o ganho significativo para a própria escola em investir na formação pedagógica de sua equipe docente também em diversidade sexual e estudos de gênero. A formação continuada ajuda a preencher a lacuna deixada pelos cursos de nível superior, quanto à formação de recursos humanos para a área escolar. Portanto, se as instituições de ensino brasileiras desejam acompanhar as transformações em curso na história, a partir de parâmetros da democracia, da justiça social e dos direitos humanos – terão de mudar arquitetônica e institucionalmente, ao constatarem que a formação de seu corpo docente é uma exigência e não capricho ou favor. Afinal, o princípio do jogo de luz e sombra que opera sobre os corpos, o faz também sobre a escola.

 

Para saber mais: 
FERFOLJA, T. State of the Field review: stories so far: an overview of the research on lesbian teachers. Sexualities, v. 12, n. 3, p. 378-396, 2009. Acesse aqui

VIANNA, C.; CARAVALHO, T. Formação e prática docente: sobre a visibilidade das professoras lésbicas. Formação Docente Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores, v. 12, n. 24, p. 77-90, 2020. Acesse aqui


Imagem de destaque: Thespoondragon

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