Que independência tem as camadas populares e trabalhadoras acossadas pelo desemprego e pela fome? De que liberdade goza a população feminina e LGBTQIA+ agredida e morta em casa e na rua? De qual independência usufruem os povos indígenas e quilombolas que vêm seus territórios invadidos e suas riquezas saqueadas? Que independência e liberdade pode comemorar o povo brasileiro sujeito às políticas de medo, morte e extermínio?
O Brasil, ou pelo menos parte dele, comemora seus 200 anos de independência política de Portugal em um momento crucial de sua história. Aqui, como dizia o escritor mexicano Carlos Fuentes, parece que o passado não passa, apenas entra em recesso para ressurgir, repentinamente, de forma avassaladora, atroz, violenta. Nestes momentos, sentimos o peso das derrotas tantas sofridas pela multidão de pessoas que, nestes territórios, ousou pensar que as independências e as liberdades poderiam ser para todes.
Não custa lembrar que no justo momento em que parte significativa de nossas elites celebravam as liberdades conquistadas ao julgo português, estas mesmas elites se mobilizaram de todas as formas para manter intocado os regimes de escravidão e as políticas de extermínio dos povos que originalmente ocupavam estes territórios. E não podemos esquecer que tais políticas e armas vencedoras continuaram vencendo anos a fio, até o momento atual, pela imposição de narrativas tais como o “descobrimento”, a graça da conversão e da evangelização, a importância do grito do Ipiranga e muitas outras histórias e memórias que são aprendidas e disseminadas, inclusive na escola.
No entanto, ainda que vitoriosas, as guerras estabelecidas (e ganhas) pelos conquistadores europeus e seus sempre atualizados descendentes invadiram territórios ancestralmente ocupados para, neles, estabelecer colônias, escravizar e exterminar suas (e outras) populações, explorar exaustivamente o meio ambiente para transformá-lo em lucro, luxo e riqueza para garantir a vida boa para alguns, tais guerras nunca impediram a emergência e as experiências de bem viver para as populações subalternizadas.
São também estes sonhos, ancestralmente compartilhados por multidões de deserdados da terra e por seus aliados os mais diversos, que ainda hoje nos movem com a esperança de que dias melhores virão. Com Paulo Freire e com toda a tradição libertária de que somos herdeiras/os e continuadoras/es, sabemos que o esperançar é prenhe de inéditos viáveis.
Hoje, mais do que nunca, as populações humanas e não humanas que habitam os territórios que constituem este imenso Brasil exigem de nós a construção de utopias de liberdade, independência e igualdade que nos descortinem horizontes mais generosos e cuidadosos para todes nós. Para isso é preciso romper com os grilhões que conformam nossas histórias e nossas memórias às dos vencedores e fazer emergir outras formas de fazer, de celebrar, de cantar, de chorar de sonhar nossas independências e liberdades individuais e coletivas. Oxalá as comemorações e os debates deste 7 de setembro de 2022, momento em que parte do país celebra os 200 anos de independência, ajude-nos a caminhar nesta direção!
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