Sobre a Função Humanizadora da Literatura

Francisca Patrícia Pompeu Brasil

Em seu texto “Ensinar literatura para quê?”, Paulo Franchetti coloca duas questões relacionadas às funções da literatura dentro do processo de ensino-aprendizagem. São elas: o que se ensina quando se ensina literatura? O que se aprende quando se estuda literatura? Para Franchetti, uma das formas adotadas para responder a essas questões é ver o texto literário como um meio de se adquirir conhecimentos, uma vez que, através dele, é possível aprender arte, filosofia, história, sociologia, etc. Ou seja, seria um meio para se chegar a um fim. 

No entanto, o autor observa que esse não é o grande diferencial da literatura, pois há formas mais rápidas e precisas de se adquirir conhecimentos – como os livros de História, por exemplo. A singularidade literária está no fato de possibilitar ao leitor uma imersão no texto capaz de promover olhares mais sensíveis e críticos diante da realidade, isto é, o leitor, a partir do contato com os textos, passa por um processo de “humanização”, pois torna-se mais apto para ler o mundo e, consequentemente, para entender, com mais criticidade, as questões sociais relacionadas ao espaço em que está inserido.

Compartilhando das ideias de Franchetti, a professora dra. Márcia Marques de Morais afirma que a função da literatura é formar e transformar seus leitores, uma vez que o texto literário proporciona duas experiências singulares aos seus destinatários: a primeira seria de ordem pessoal, uma vez que possibilita ao ser humano tornar-se mais humanizado, reconhecendo-se em sua subjetividade e tornando-se capaz de entender o sentido da vida; a segunda experiência tem um caráter social, pois, através das vivências dos personagens, o leitor passa a ter acesso a outras vozes, outros modos de pensar e de agir, o que o leva a enxergar-se como um ser social, reconhecendo o verdadeiro sentido de “estar no mundo” e de fazer parte de uma coletividade. A literatura tem o poder de desenvolver no indivíduo “as potencialidades do seu psiquismo e de sua sociabilidade.” (MORAIS, 2020, p. 362).

Vale ainda destacar que a identificação e o envolvimento com os personagens e suas vivências dão ao leitor a possibilidade de julgar, de refletir, de reconhecer erros e de buscar soluções, enfim, de modelar seus comportamentos, revendo de forma crítica os seus conceitos (e pré-conceitos). Essa dinâmica existente coloca o leitor em uma posição privilegiada em relação ao texto ficcional, uma vez que este dá a ele o poder de vivenciar emoções e situações variadas, sem o arriscado comprometimento que há no mundo real. Um outro diferencial do texto literário é o fato de pertencer a épocas diversas, de ser atemporal, capaz de trazer o passado revitalizado a partir dos mais diversos olhares, de uma forma única e expressiva. 

O trabalho diferenciado com o texto literário se dá a partir do momento em que a leitura passa a ser vista como uma forma de despertar a sensibilidade do leitor através das emoções vividas pelos personagens, e de promover reflexões transformadoras a partir das diversas situações apresentadas nas histórias contadas. Dessa forma, podemos entender que uma formação integral e humanizada do aluno será efetivada quando for feito um trabalho de aproximação adequado e produtivo nas aulas de leitura. 

Como vimos, a literatura é singular por possibilitar a imersão do leitor no texto e por exigir sua participação na construção dos sentidos. Diferente de outras formas de ensinar, ela oferece ao professor a possibilidade de educar o seu aluno de uma maneira mais humana e conscientizadora. 

A partir das considerações apresentadas, acreditamos ser necessário fazer algumas observações em relação ao esforço demandado no momento da leitura dos textos literários, os quais apresentam uma linguagem revitalizada, ou ainda, um novo “modo de dizer algo”. Pensando no jovem leitor, fica claro que essa exigência do texto por uma participação ativa na construção de sentidos pode ter um efeito oposto ao esperado. Ou seja, em vez de promover um mergulho na história e uma consequente produção de perspectivas, tal esforço pode distanciar esse leitor iniciante, causando desinteresse e enfado ao se deparar com a obra. Vale destacar a importância e a necessidade de um trabalho comprometido do professor durante o processo de aproximação entre leitores e obras literárias, buscando atividades criativas que despertem o interesse do seu aluno, o que resultará em leituras mais significativas e interessantes. 

Mudar  esquemas relacionados ao trabalho com obras literárias, deixando de vê-las apenas como um meio de repassar informações e passando a enxergá-las como uma fonte de imensas possibilidades para a formação humana fará toda a diferença para professores e alunos durante o processo de ensino-aprendizagem.

 

Sobre a autora

Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Especialista em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Doutoranda em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Professora de Língua Portuguesa, Literatura e Redação da Secretaria de Educação do Estado do Ceará (SEDUC) e da Secretaria Municipal de Educação do município de Fortaleza (SME).

 

Para saber mais 

FRANCHETTI, Paulo. Ensinar literatura para quê? Revista Desenredos – ano I -número 03-Teresina -Piauí -novembro dezembro, 2009.

MORAIS, Márcia Marques de. Leitura Literária e Ensino: Trouxeste a Chave?. Entrevista concedida a Clézio Roberto Gonçalves e Vera Lopes. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 24, n. 50, p. 357-386, 1º quadrimestre de 2020.


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