Welligton Magno da Silva¹
Historicamente, a Universidade ocupa um lugar preponderante na produção do conhecimento científico. Por esta razão, produz também no imaginário social a percepção de ser um espaço que se distancia da ignorância, irracionalidade, violência, sob a égide da produção de um saber crítico sobre a realidade, o qual comporta toda a diversidade de experiências de forma democrática, plural e horizontalizada. No entanto, capturada por diferentes sistemas de opressão, pode assegurar a manutenção de assimetrias sem que elas apareçam como assimétricas, garantindo a existência de um paradoxo que inclui para excluir.
No que tange às experiências de sexualidade não-heterossexuais, a Universidade pública é chamada para uma responsabilidade muito maior do que a de simplesmente formar cidadãs e cidadãos profissionalmente, isso porque viabiliza a construção de espaços de pertencimento e redes de sociabilidade muito mais intensas e profundas do que a mera construção e transmissão de conhecimentos.
Levando em consideração que a Universidade dá continuidade ao processo de subjetivação de sujeitos atravessados por diferentes marcadores sociais da diferença – de raça, classe, sexualidade, gênero – e que a forma com que as pessoas vivenciam a sexualidade nesses espaços vai ser decisiva para o seu processo formativo, saúde mental, legitimação e (re)conhecimento da não heterossexualidade enquanto possibilidade da experiência humana, promover reflexões acerca das dinâmicas institucionais se torna importante ferramenta de luta política e de mobilização social para a busca pela igualdade de direitos e por patamares mais elevados de justiça social.
Os conhecimentos relativos à diversidade sexual e a outros marcadores sociais foram taxados historicamente como subalternos, sendo negligenciados no âmbito dos currículos de formação e no cotidiano. Essa realidade tem como consequência mais direta a manutenção e (re)produção da lógica heteronormativa nesses espaços, inviabilizando a legitimidade e (re)conhecimento das experiências e dos conhecimentos sobre corpos, sexualidades, gêneros etc., além de desconsiderá-los como objetos de estudo.
Nesse sentido, acreditamos no fato de que a experiência da/com a sexualidade nesses espaços vai ser determinante para o modo como diferentes sujeitos vivenciam seu processo formativo, interferindo diretamente na sua motivação acadêmica, saúde mental, adaptação ou não ao contexto universitário e, principalmente, permanência e/ou evasão do ensino superior. Neste ponto nodal de convergência, entre uma instituição que possibilita a experiência com a sexualidade de forma mais libertária ao mesmo tempo em que (re)produz os ditames da lógica heteronormativa, tomar a orientação sexual e identidade de gênero enquanto determinantes sociais se torna de extrema importância para a garantia do acesso e permanência de estudantes na Universidade, e do próprio direito à educação assegurado pela Constituição.
Se por um lado a população LGBT tem conquistado importantes direitos e visibilidade na esfera pública, por outro não podemos afirmar que essa visibilidade é acompanhada concomitantemente pela diminuição dos níveis de preconceito e discriminação na dinâmica social. O sistema educacional tem representado, em muitos casos, a displicência de um Estado que pouco ou quase nada se preocupa com a redução da vulnerabilidade social de pessoas LGBTs, mantendo um status quo de intensos processos de apagamento de experiências não-heterossexuais, legitimadas nas práticas sociais e pedagógicas de diferentes redes de ensino.
Assim, acreditamos que práticas coletivas de produção de subjetividades se apresentam como importantes estratégias de questionamento dos processos educativos. Assim, discutir enunciados discursivos e/ou teóricos, e experiências individuais e/ou coletivas, se mostra importante para que possamos produzir práticas de resistência aos sistemas mantenedores da norma que colocam diariamente diferentes sujeitos em posições de subalternidade. Nesse sentido, precisamos considerar o espaço escolar/educacional em sua dualidade: como (re)produtor de opressões e, ao mesmo tempo, podendo assumir protagonismo na luta pela transformação da realidade social através de ações políticas mobilizadas por sujeitos historicamente marginalizados e vulnerabilizados.
Por se constituir enquanto um campo complexo e de intensas disputas – políticas, sociais, econômicas etc. – a transformação desses espaços se torna cada dia mais desafiadora. Desse modo, as práticas coletivas de resistência nos auxiliam a pensar em estratégias de subversão das lógicas hegemônicas de preconceito sexual, estrutural da sociedade e estruturante das relações sociais, objetivando a construção de espaços mais acolhedores para as experiências não-heterossexuais.
Se a utopia é considerada hegemonicamente como algo inalcançável, aqui ela pode nos servir como importante ferramenta para resistir, pois a educação brasileira não pode ser um instrumento de produção de discriminação, inferiorização e violência.
1Doutorando em Psicologia (PPG-PSI/UFSJ) e integrante do Núcleo de Estudos em Gênero, Raça e Direitos Humanos (NEGAH/UFSJ). Email: welligthon@hotmail.com.br.
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