Marcus Vinicius Carvalho
Agir e estar junto definem uma relação especial, dando a ver que a noção de atividade humana abrange os condicionamentos próprios do fato de as pessoas viverem juntas, não sendo possível imaginar quaisquer ações humanas fora da sociedade humana. Diante dessa condição fundamental, e instada por ela, desenvolveu-se a capacidade de organização política indiciando a diferença entre aquilo que seja a vida em associação doméstica e o que seja ela no domínio comum.
Agir e discursar são, dentre as atividades necessárias para caracterizar as comunidades humanas, as duas que têm estatuto, eminentemente, político, definindo aquilo que nomeamos assuntos humanos. Ações e discursos políticos, na medida em que permaneçam fora da esfera da violência, são realizados por meio de palavras, constituindo ação decisiva o ato de encontrar as palavras certas no momento certo a fim de que tudo possa ser decidido mediante palavras e persuasão, e não por força e violência. Aquilo que é público constitui-se no domínio da política, não no da violência muda e mesquinha.
Público significa, então, em primeiro lugar, que tudo o que vem a público pode ser visto e ouvido por todos e tem a maior divulgação possível, sendo seu valor precípuo ser ele “o lugar por excelência do desenvolvimento ético”. Ética demanda, por sua vez, a constituição de um espaço público implicado na disputa das fronteiras que delimitam esse espaço e dos critérios de pertencimento a ele. A perda do interesse público e do senso público pode significar a perda da lucidez em perceber que o humano se constitui “entre si” (inter-est), em compartilhamento de construção relativa e condicionada do “mundo comum”. Não sendo de ordem circunstancial, não sendo, portanto, passível de resolução por meio de apelos cívicos e bem intencionados que incitem à participação política, o cultivo do interesse comum abrange um olhar crítico sobre os modos pelos quais a política se transformou na administração burocrática e rotineira das necessidades sociais de interesses privados.
Com olho aberto e curioso, que se esforça por especular contra si, e apesar de si, sobre os problemas em que se enredou, foram promovidas as Rodas de Conversa da Faculdade de Educação da UFF ao longo do ano de 2013. Esses eventos nasceram com intenção de estimular o interesse comum pela participação crítica nas mobilizações populares no Brasil daquele ano, sendo iniciativa dos professores da FE/UFF a partir da ideia da Professora Eliane Arenas Mora.
A primeira Roda de Conversa girou em torno de uma urgência traduzida no título do encontro – “Precisamos Falar sobre a Greve dos Professores” – que abordou a mobilização docente nas greves municipais do Rio de Janeiro, de Niterói e de Itaboraí, reunindo o Sindicato Estadual de Profissionais da Educação (SEPE) do Rio de Janeiro, além de professores, estudantes e técnico-administrativos da UFF. O terceiro encontro trouxe representantes da APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) para Niterói, visando conversar sobre a greve docente em São Paulo. A quarta Roda de Conversa contou com a participação do ativista dos direitos humanos e deputado estadual Marcelo Freixo, para discutir o projeto de reordenação urbana do Rio de Janeiro a partir dos grandes eventos internacionais, nomeadamente, a Copa do Mundo e as Olimpíadas.
Em que pese a significação desses encontros para ampliação do diálogo crítico sobre as tensões entre universidade e espaço público, merece destaque o segundo encontro que reuniu na Roda de Conversa profissionais e estudantes da UFF, e também coletivos estudantis variados, representantes da Mídia Ninja e de partidos políticos como o PT, o PSOL, o PSTU, tendências maoístas e anarquistas, bem como adeptos das táticas black blocks. Esse encontro apontou dimensões de abrangência ampla na promoção de ação formativa em que a pluralidade de sentidos sobre a vida, a dignidade, a justiça e a liberdade não estimula a anulação das diferenças, ignorando a produção possível de novos significados. Ao contrário, ao estabelecer um diálogo em que não esteve em jogo a instituição de uma posição universal, fixa e/ou homogênea, mas antes o alargamento das oportunidades de negociação das diferenças, instruiu-se espaço para um debate público capaz de admitir a pluralidade de projetos sociais e de cidadania em posições conflitantes em que crenças, valores, costumes, sociabilidades e conhecimentos estão em disputa ética.
Nos últimos anos, desde as manifestações por toda a Europa, a Primavera Árabe no Egito, a Revolução Verde no Irã, e, o movimento Occupy, a reinvenção da democracia está na pauta política, fazendo lembrar que só se pode falar em democracia no tempo futuro, no por vir, que renova retinente o convite ao debate franco e isonômico sobre uma ética de soberania popular.