João Paulo Gama Oliveira1
A imagem exposta, vestígio do cotidiano escolar no interior de Sergipe, mostra, da esquerda para a direita, as alunas Arlete Pereira, Cremilde, Eugênia e Ieda Tavares, guardiã do registro imagético. Todas usam vestido, algumas, adereços no cabelo e/ou penteados feitos para aquela ocasião. Os alunos, Adelson Oliveira e Antônio Oliveira, irmãos, Osvaldo Carvalho e Elpidio Teixeira vestem uma camisa, sobreposta por um paletó, cabelos extremamente arrumados, com um olhar compenetrado miram na mesma direção.
De pé e com semblante sério, exceto Adelson que esboça um pequeno sorriso, os discentes posicionam-se ao redor das docentes em uma posição montada para representar os lugares dos sujeitos do processo educativo em um “retrato” da sua formatura. Momento estático, porém, que possivelmente demandou várias regras de organização. Todos com o diploma na mão ostentam o objeto de distinção que atesta a conclusão do ensino primário em um grupo escolar numa cidade do interior do Brasil.
Ao centro, as professoras: Maria da Glória, Isabel Esteves de Freitas (Dona Bebé), docente e diretora, e Dinorá Aragão. Sentadas, todas usam vestido que ultrapassa os joelhos, sapatos escuros e fechados, apoiam uma mão sobre a outra com olhar direcionado para a captura do registro da formatura da primeira turma do Grupo Escolar Guilhermino Bezerra em Itabaiana/SE, no ano de 1939.
A seriedade registrada em cada rosto que compõe a imagem fotográfica, revela a disciplina e o respeito às normas de um dos ritos mais desejados e festivos em um grupo escolar do Brasil da primeira metade do século XX. Vê-se uma turma de oito alunos e alunas que tiveram acesso à educação escolar e alcançaram a conclusão do curso primário, naquela localidade distante 54 Km da capital, Aracaju. O registro daquele momento extrapola o grupo de pessoas ali fotografadas e diz respeito a um direito fundamental no Brasil, ainda em construção: o acesso à escolarização básica.
Ao refletir sobre os diferentes “retratos” que compõem um país continental com foco em Itabaiana, município que na contemporaneidade integra a região do agreste central de Sergipe, as pesquisas revelam que suas primeiras escolas isoladas surgiram no oitocentos e perduraram na primeira metade do novecentos. Distante das concepções que iniciaram a edificação de suntuosos “palácios de instrução” no final do século XIX no Brasil, Sergipe teve seu primeiro grupo escolar edificado em 1911, o Grupo Escolar Modelo, em Aracaju. Ao longo das décadas de 1910 e 1920 tais prédios espalharam-se pela capital e por diferentes cidades do Estado, a saber: Boquim, Capela, Estância, Lagarto, Neópolis, Propriá, São Cristóvão e Simão Dias.
Todavia, Itabaiana só contaria com o prédio do Grupo Escolar Guilhermino Bezerra em 4 de abril de 1937, criado da reunião das escolas isoladas localizadas na sede do município: duas para o sexo masculino e duas do sexo feminino. O prédio, que está em pleno funcionamento com características arquitetônicas da sua criação, atualmente abriga a Escola Estadual Guilhermino Bezerra com oferta dos anos iniciais do ensino fundamental enfrentando um decréscimo constante na sua matrícula contando em 2021 com 110 discentes e oito docentes.
No ano de instalação do Grupo, Sergipe possuía 486 escolas primárias com 26.695 matrículas. Tinha-se 9 escolas e 48 matriculados a cada 1.000 habitantes, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1939-1940). A um ano de o Brasil festejar o Bicentenário da Independência, o Estado possui 126.158 alunos e alunas matriculados(as) nos anos iniciais do ensino fundamental; desses a cidade de Itabaiana/SE possui 5.267 discentes nessa etapa de ensino, segundo dados do Censo Escolar de 2020.
Em meio à pandemia da Covid-19 e ao retrocesso no âmbito das políticas públicas educacionais que assolam o país, a efeméride a ser celebrada em 2022 é um momento oportuno para recordar professoras e discentes que pioneiramente ocuparam o espaço de um grupo escolar e analisar quantos não tiveram acesso à educação escolarizada nas quase nove décadas de funcionamento da instituição. Os que sequer conseguiram entrar, os que foram retidos, os que abandonaram, para além daqueles que lograram êxito chegando até a almejada coroação do processo escolar com a formatura. Quem foram/são seus discentes, docentes e gestores? Quais histórias têm a nos revelar no processo de constituição e consolidação de uma escola primária?
Do “retrato” com oito discentes concluintes do primário e suas três professoras no ano de 1939, aos desafios para continuar funcionando na aurora do século XXI as histórias de uma escola precisam ser problematizadas escritas e reescritas para que, assim, tenhamos um Bicentenário com “retratos” que mostrem as várias faces de um Brasil diverso, complexo, rico e com muito a ser construído. Sendo a educação básica pública e de qualidade um dos esteios desse processo.
1Doutor em Educação. Professor de História da Educação e Ensino de História no Departamento de Educação (DEDI) e do PROFHISTÓRIA da Universidade Federal de Sergipe. Atualmente realiza estágio pós-doutoral na Unesp (2020-2021).
Imagem de destaque: Acervo de Ieda Tavares Silveira. Imagem cedida por sua filha Dayse Tavares para a pesquisa: “A educação primária em Itabaiana na primeira metade do século XX” (PIBIC/CNPq/UFS), coordenada por João Paulo Gama Oliveira, autor deste texto.